terça-feira, 12 de outubro de 2010

Política e moral: uma nota :: Fernando de Barros e Silva

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Liberal na economia e conservadora nos costumes. Marina Silva ouviu essas duas críticas de boa parte da esquerda durante a campanha. Além delas, havia uma terceira ressalva: Marina teria certa dificuldade de lidar com as coisas concretas, de tocar o chão da realidade, como se pairasse acima dos problemas, "au-dessus de la mêlée", vendo do alto o jogo sujo da política. Sua posição seria, segundo essa crítica, ingênua ou hipócrita -nos dois casos "principista".

Mesmo pessoas simpáticas a Marina devem reconhecer que são objeções que fazem algum sentido.

Em entrevista ao jornal "Valor", o sociólogo Gabriel Cohn, um dos grandes intelectuais uspianos, disse o seguinte: "O espantoso é que o fenômeno Marina é fundamentalmente não político. Ela disse que governaria por princípios, não faria alianças". Marina não dizia bem isso, mas que buscava vocalizar um realinhamento histórico de corte progressista, no qual PSDB e PT pudessem atuar juntos.

Voltamos à discussão sobre moral e política. Numa perspectiva de esquerda, a "boa política" deve se colocar entre o principismo e o pragmatismo, rejeitando-os mutuamente. Presa só a princípios, a política se converte em dogma e cai no moralismo; indiferente a eles, se banaliza ou legitima o vale-tudo.

O PT, em sua história, migrou de um polo a outro. No seu início, não fazia alianças, não deu apoio a Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, recusou-se a assinar a Carta de 1988 etc. Hoje, no poder, o partido afaga mensaleiros e aloprados, passeia de mãos dadas com oligarcas etc.

O que é mais necessário no Brasil atual: atacar o principismo (inexistente) da esquerda ou criticar o vale-tudo ético a que a ela sucumbiu sem medo de ser feliz?Como disse o filósofo Ruy Fausto: "A ideia de um partido que, embora participando do processo eleitoral, fosse diferente dos outros, se perdeu". Para parte dos seus eleitores, Marina talvez fosse um pouco a musa viável desse elo perdido.

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