terça-feira, 12 de outubro de 2010

Temas errados:: Míriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O debate da Band foi quente, como os jornalistas gostam, não necessariamente o eleitor. Como isso vira intenção de voto é ciência que ninguém domina. Há a ideia de que agressividade, como a que Dilma exibiu, perde votos. Pode ser lenda urbana. Os temas dominantes não deveriam ser os que foram. Privatização, por ser matéria vencida.

Aborto é sério demais para leviandades.

Quem tratou bem o tema do aborto foi O GLOBO no domingo: 200 mulheres mortas por ano, 183 mil curetagens no SUS. É hipocrisia não reconhecer que é uma questão de saúde pública e que é preciso ter políticas públicas para evitar o pior: reduzir os abortos e os riscos para a mulher.

Tudo é trágico nesse assunto. O ideal é evitar a gravidez indesejada. Mas nada é simples.

Na saída do debate da TV Globo, no primeiro turno, Marina me disse por que não tocou no tema: — Eu tenho minhas convicções sobre o assunto e não quero impô-las. O que me espanta são as opiniões convenientes, mas esse é um Estado laico e o assunto só pode ser decidido pela sociedade. Não quero fazer guerra santa com isso.

As pessoas podem ser contra ou a favor, mas não se pode negar que a maneira arriscada de fazer aborto é o drama das mulheres pobres. Um ex-ministro da Saúde como José Serra não pode fechar os olhos: tem que ter uma solução e não uma visão moralista.

Quando Dilma falou em “descriminalizar” estava tendo a coragem de ser sincera.

Depois passou a encobrir o que pensa. Cedeu a uma visão conservadora que impede que as autoridades de saúde do Brasil encontrem soluções que reduzam os casos e protejam a mulher. Dilma passou a acusar Serra de, ao regulamentar a lei atual, ter feito algo errado. Deu uma volta de 180 graus no que pensa, por razões eleitorais.

No Brasil, mesmo em caso de feto com anencefalia uma mulher foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal a carregar no corpo a dor de gerar um filho sem chance alguma. Os ministros não pensaram na mulher, sua vida e sua dor.

Aborto é tema doloroso e complexo. Não serve para os palanques.

Dilma tentou de novo o truque de campanhas anteriores: demonizar a privatização.

Ela foi boa e modernizou o Brasil. Em 1992, só 19% das casas tinham telefone; hoje, o fixo ou o celular estão em 84% dos domicílios. Para usar uma imagem que está sendo explorada na campanha do PT: antes da privatização, telefone era coisa de rico; depois, passou a ser um serviço que os pobres têm acesso. O Brasil ficou mais eficiente quando as siderúrgicas deixaram de ser estatais. A Vale cresceu e passou a pagar mais impostos.

A lei que quebrou o monopólio do petróleo permitiu que a Petrobras tivesse parceiros internacionais, crescesse, aumentasse suas reservas. Nunca foi proposta a privatização da Petrobras. O que o governo Fernando Henrique fez foi vender ações para os trabalhadores através do FGTS e isso foi bom para a empresa, o país e os trabalhadores. A maneira confusa como foi feita a capitalização e o excesso de politização da Petrobras estão derrubando o valor da companhia. Ela já valeu US$ 310 bilhões e agora vale US$ 215 bi. Dilma quer usar politicamente um risco inexistente.

Faltou discutir programa, mas nenhum dos dois tem programa. Dilma apresentou ao TSE versões de um documento partidário em que cada texto corrigia ou negava o anterior. Serra entregou um texto que era um corte-cola de discursos feitos por ele. O país tem muitos problemas e os que o governaram nos últimos 16 anos têm experiência suficiente, sabem o que dá certo e o que dá errado; o que foi feito e o que falta fazer.

Ambos acertaram ao responder à pergunta de Ricardo Boechat: Serra apontou a educação como o assunto principal a ser enfrentado nos próximos anos; Dilma apontou a erradicação da pobreza e o aumento da inclusão social.

Os dois temas se encontram.

A estabilização da moeda feita pelos dois presidentes que apóiam José Serra — Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso — permitiu o começo da inclusão de pobres à classe média.

Os programas de transferência de renda do presidente Lula aumentaram a inclusão.

Mas sem uma educação de qualidade para os pobres o Brasil pode perder sua grande chance. O governo Fernando Henrique deu um salto extraordinário: universalizou o ensino fundamental. O passo seguinte era o ensino médio, não foi feito no governo Lula. O governo atual expandiu a universidade pública que atende apenas um quarto dos universitários, fez o Prouni, mas fez pouco pelo fundamental e médio. As metas do Ideb para 2021 são de que a escola pública chegará ao nível que a escola privada tinha em 2005. Meta medíocre.

A arrancada é urgente, os programas precisam ser sólidos e ambiciosos.

O debate teve alguns momentos de franqueza, o que é bom; mas houve momentos em que os candidatos, Dilma principalmente, usaram cifras, siglas ou palavras de significado pouco compreensível. Dilma se colocou como vítima de maledicência e ataques, mas essa sempre foi a tática de seus aliados contra adversários.

Ela quis levantar a militância. Ele quis passar serenidade. O tempo dirá quem acertou.

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