DEU NO VALOR ECONÔMICO
O Brasil é uma nau sem rumo no oceano da globalização. A crise não ensejou nenhuma mudança de direção
O crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no período 2003-2010 (4,1%) foi inferior à média latino-americana (4,2%). A média argentina (7,5%) foi quase o dobro da brasileira. Peru, Uruguai, Venezuela, Colômbia e Paraguai tiveram médias superiores à brasileira. A comparação com os países ditos emergentes (Bric) é muito mais vergonhosa: a Rússia nos supera, com 4,8% ao ano, a Índia, com 8,2%, e a China, 10,95%, nos esmagam. Este ano, o PIB brasileiro deverá crescer cerca de 7,5%, porém havia sido negativo (0,6%) em 2009.
Não é, por conseguinte, uma verdade que a crise mundial tenha sido "uma marolinha" e que tivemos um desempenho "excepcionalmente bem-sucedido". Nossa defesa contra a crise acionou o setor bancário oficial: Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal (CEF) praticaram, sem a inspiração de nenhum projeto nacional, medidas pontuais meritórias.
O Brasil parece uma nau sem rumo no oceano da globalização. A crise mundial não parece ter dado indício a nenhuma mudança de rumo. Alguns produtos primários continuam tendo preços especulativos e conferiram aos Anos Lula uma bonança nas contas externas e sucesso no controle da inflação; esse resultado foi obtido sem mudança estrutural relevante.
A promessa para o futuro repousa no pré-sal, porém permanece a dúvida de nos convertermos ou não em exportadores de óleo cru. Nesse caso, a República Velha (que foi embebida em café) será recomposta em mais uma nação periférica e infeliz, de soberania curta, pasto prioritário da geopolítica imperial.
A empresa privada, no Brasil, tem um comportamento tímido em termos de ampliação de capacidade produtiva. Sendo grande e fazendo parte de um oligopólio, sua timidez engendra uma anêmica taxa de investimento produtivo e uma orientação de rentista, ou seja, procura não se endividar e ser uma aplicadora no mercado financeiro enquanto prospecta oportunidades especulativas com mercadorias, ativos financeiros e, por vezes, realiza seu sonho de assumir o controle de uma competidora ou fornecedora crítica.
Entendo sua timidez: não tem clara a percepção de um futuro maior, pois inexiste um projeto nacional; sabe da intolerância governamental com altas de um dígito na taxa de inflação; sabe que o governo utiliza o modelo de metas de inflação, o que implica em valorização do real e juros primários muito elevados (o maior do planeta). Na fração de mercado que a empresa controla, é frequente a opção por importar componentes a custos mais baixos. Por outro lado, se não for primário-produtora, se defronta com um mundo em crise, com demanda atrofiada, e selvagem competição entre produtores industriais. Confia (caso da indústria automobilística e de eletrodomésticos) no endividamento familiar não intimidável por juros e bom pagador para manter aberto o acesso aos objetos de desejo familiar.
A política econômica, monetária e fiscal sacrifica o investimento público. Para o Brasil crescer 5% ao ano, nossa taxa de investimento deveria ser de 23% a 24% do PIB. Em 2010, cresceu um pouco (de 18% para 19%), reflexo de um ano eleitoral, de uma retórica euforizante e de algum investimento público pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para 2011, a palavra de ordem da nova presidente é cautela com os gastos, e seus ministros confirmados já se declararam pelo corte parcial do PAC. Existem gigantescos restos a pagar.
A empresa privada optará pela cautela. Para umas poucas, surge a ambição de se converterem em multinacionais num mundo onde a globalização está sob suspeita, mas continua superimposta. A Vale, por exemplo, em vez de desenvolver novas províncias minerais - na Amazônia, além de Carajás existe um fantástico patrimônio mineral a ser incorporado - se move com um projeto de se converter na maior mineradora mundial. Em vez de utilizar bilateralmente seu excelente minério de ferro para obter carvão metalúrgico e desenvolver a siderurgia nacional, compra da China material ferroviário e não exige que os chineses instalem e transfiram sua tecnologia ferroviária para o Brasil. Os chineses, quando compraram aviões da Embraer, forçaram-na a abrir uma filial na China e vão "clonar" nossa tecnologia. O Grupo Gerdau se espalhou pelo mundo e centralizou uma fundação-chave na Holanda. Nosso setor de proteínas vermelhas está adquirindo filiais nos EUA. Obviamente, e plenamente autorizados pelo Banco Central, exportadores brasileiros mantêm grandes aplicações financeiras no exterior. Obviamente, de forma disfarçada, capitais brasileiros, sobretudo aqueles oriundos "de formas estranhas", navegam no mar do Caribe e se instalam em paraísos fiscais.
As questões estruturais brasileiras não estão em pauta política; não se discutem suas características, seu processo genético-constitutivo nem os modos alternativos de superação. Apesar do fracasso do neoliberalismo e da globalização "estar fazendo água", no Brasil nos movemos segundo o velho dito português "tudo como antes no Quartel de Abrantes", que qualquer empresa lê na composição ministerial da nova presidente, no hino monocórdio de condenação da balbúrdia fiscaliza e no anúncio da pré-candidatura de Lula para o período pós-Roussef.
Está certa a timidez empresarial e sua opção rentista. Isto gera um subproduto: ser tímida é imensamente rentável. Bancos, companhias distribuidoras de energia elétrica, concessionárias de estradas e líderes em ramos comerciais praticantes da venda a prestação para famílias endividadas são enormemente lucrativas. Veem com desconfiança qualquer ideia de projeto nacional e reduzem a ação do governo à gestão limitada das políticas públicas.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O Brasil é uma nau sem rumo no oceano da globalização. A crise não ensejou nenhuma mudança de direção
O crescimento médio do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro no período 2003-2010 (4,1%) foi inferior à média latino-americana (4,2%). A média argentina (7,5%) foi quase o dobro da brasileira. Peru, Uruguai, Venezuela, Colômbia e Paraguai tiveram médias superiores à brasileira. A comparação com os países ditos emergentes (Bric) é muito mais vergonhosa: a Rússia nos supera, com 4,8% ao ano, a Índia, com 8,2%, e a China, 10,95%, nos esmagam. Este ano, o PIB brasileiro deverá crescer cerca de 7,5%, porém havia sido negativo (0,6%) em 2009.
Não é, por conseguinte, uma verdade que a crise mundial tenha sido "uma marolinha" e que tivemos um desempenho "excepcionalmente bem-sucedido". Nossa defesa contra a crise acionou o setor bancário oficial: Banco do Brasil (BB), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Caixa Econômica Federal (CEF) praticaram, sem a inspiração de nenhum projeto nacional, medidas pontuais meritórias.
O Brasil parece uma nau sem rumo no oceano da globalização. A crise mundial não parece ter dado indício a nenhuma mudança de rumo. Alguns produtos primários continuam tendo preços especulativos e conferiram aos Anos Lula uma bonança nas contas externas e sucesso no controle da inflação; esse resultado foi obtido sem mudança estrutural relevante.
A promessa para o futuro repousa no pré-sal, porém permanece a dúvida de nos convertermos ou não em exportadores de óleo cru. Nesse caso, a República Velha (que foi embebida em café) será recomposta em mais uma nação periférica e infeliz, de soberania curta, pasto prioritário da geopolítica imperial.
A empresa privada, no Brasil, tem um comportamento tímido em termos de ampliação de capacidade produtiva. Sendo grande e fazendo parte de um oligopólio, sua timidez engendra uma anêmica taxa de investimento produtivo e uma orientação de rentista, ou seja, procura não se endividar e ser uma aplicadora no mercado financeiro enquanto prospecta oportunidades especulativas com mercadorias, ativos financeiros e, por vezes, realiza seu sonho de assumir o controle de uma competidora ou fornecedora crítica.
Entendo sua timidez: não tem clara a percepção de um futuro maior, pois inexiste um projeto nacional; sabe da intolerância governamental com altas de um dígito na taxa de inflação; sabe que o governo utiliza o modelo de metas de inflação, o que implica em valorização do real e juros primários muito elevados (o maior do planeta). Na fração de mercado que a empresa controla, é frequente a opção por importar componentes a custos mais baixos. Por outro lado, se não for primário-produtora, se defronta com um mundo em crise, com demanda atrofiada, e selvagem competição entre produtores industriais. Confia (caso da indústria automobilística e de eletrodomésticos) no endividamento familiar não intimidável por juros e bom pagador para manter aberto o acesso aos objetos de desejo familiar.
A política econômica, monetária e fiscal sacrifica o investimento público. Para o Brasil crescer 5% ao ano, nossa taxa de investimento deveria ser de 23% a 24% do PIB. Em 2010, cresceu um pouco (de 18% para 19%), reflexo de um ano eleitoral, de uma retórica euforizante e de algum investimento público pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para 2011, a palavra de ordem da nova presidente é cautela com os gastos, e seus ministros confirmados já se declararam pelo corte parcial do PAC. Existem gigantescos restos a pagar.
A empresa privada optará pela cautela. Para umas poucas, surge a ambição de se converterem em multinacionais num mundo onde a globalização está sob suspeita, mas continua superimposta. A Vale, por exemplo, em vez de desenvolver novas províncias minerais - na Amazônia, além de Carajás existe um fantástico patrimônio mineral a ser incorporado - se move com um projeto de se converter na maior mineradora mundial. Em vez de utilizar bilateralmente seu excelente minério de ferro para obter carvão metalúrgico e desenvolver a siderurgia nacional, compra da China material ferroviário e não exige que os chineses instalem e transfiram sua tecnologia ferroviária para o Brasil. Os chineses, quando compraram aviões da Embraer, forçaram-na a abrir uma filial na China e vão "clonar" nossa tecnologia. O Grupo Gerdau se espalhou pelo mundo e centralizou uma fundação-chave na Holanda. Nosso setor de proteínas vermelhas está adquirindo filiais nos EUA. Obviamente, e plenamente autorizados pelo Banco Central, exportadores brasileiros mantêm grandes aplicações financeiras no exterior. Obviamente, de forma disfarçada, capitais brasileiros, sobretudo aqueles oriundos "de formas estranhas", navegam no mar do Caribe e se instalam em paraísos fiscais.
As questões estruturais brasileiras não estão em pauta política; não se discutem suas características, seu processo genético-constitutivo nem os modos alternativos de superação. Apesar do fracasso do neoliberalismo e da globalização "estar fazendo água", no Brasil nos movemos segundo o velho dito português "tudo como antes no Quartel de Abrantes", que qualquer empresa lê na composição ministerial da nova presidente, no hino monocórdio de condenação da balbúrdia fiscaliza e no anúncio da pré-candidatura de Lula para o período pós-Roussef.
Está certa a timidez empresarial e sua opção rentista. Isto gera um subproduto: ser tímida é imensamente rentável. Bancos, companhias distribuidoras de energia elétrica, concessionárias de estradas e líderes em ramos comerciais praticantes da venda a prestação para famílias endividadas são enormemente lucrativas. Veem com desconfiança qualquer ideia de projeto nacional e reduzem a ação do governo à gestão limitada das políticas públicas.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa é professor emérito de economia brasileira e ex-reitor da UFRJ. Foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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