quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O enfraquecer dos vitoriosos::Rosângela Bittar

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Ministério perfeito para guardar o lugar

O convite a Ciro Gomes para integrar o ministério foi uma tentativa da presidente eleita Dilma Rousseff de dar um certo lustre político ao perfil de sua equipe, além de atingir outros objetivos, menos nobres, tais como dividir o PSB e reduzir a força de seu presidente, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. Ciro, embora um personagem polêmico nas relações políticas, daria inegavelmente um peso específico ao conjunto. Mas a tentativa se frustrou.

Não que não haja pessoas adequadas para lugares certos no ministério convidado até agora, há; não que tenham todos uma carga negativa de fracasso na sua trajetória administrativa, existem os bem sucedidos, muitos. Exceções, que confirmam a regra de que o ministério Dilma é fraco.

Já se apressam em preocupações os defensores da tese de que ainda não é possível falar do desempenho de um grupo que nem tomou posse. Mas é disso que se trata: só o perfil já desenhado é tão pálido que até se discute, com impropriedade, uma reforma ministerial o mais breve possível.

O grupo ministerial que termina o governo Lula, composto em boa parte pelo segundo escalão de secretários-executivos após a desincompatibilização de ministros, em abril, voltou para seus postos anteriores, ou seja, aceitaram o rebaixamento. Para os ministérios onde o governo Lula foi reconhecidamente mal, sem resultados a apresentar nem nos palanques eleitorais - esses aceitam tudo -, como Educação e Saúde, não houve a chamada perspectiva de solução no novo governo: no primeiro, ficou o governo anterior de modestos resultados e, no segundo, depois de deixar para o final, à espera de um nome reconhecido pela sociedade, a presidente fez sua escolha por eliminação.

Por sinal, acabou nomeando um político que atuou na área de gestão da saúde levemente, muito tempo atrás, mas foi grande especialista mesmo na negociação dos assuntos de interesse do governo no Congresso. Poderá, com a experiência adquirida na formação de maiorias, finalmente aprovar novo imposto para a Saúde, recriando a CPMF, por cuja derrota tanto chora o presidente Lula.

Perdedores na disputa de outubro, como estava previsto desde o início, não foram deixados à margem; os que não se candidataram, foram aquinhoados primeiro; há a imensa cota do presidente que sai, formalmente, em janeiro. É um jeito de formar equipe, cada um tem o seu.

Mas o ministério que começa é bisonho, não tem nomes fortes, nem técnicos nem políticos. Denota que a presidente eleita, em que pese o alegado conhecimento do governo e realmente ter atuado durante o período de transição, não tinha na verdade um plano. Ficou submissa à repetição, ao antigo, ao presidente que a elegeu sucessora. Ficou sem condições de reagir, nem mesmo para contrapor nomes que sempre considerou melhores para seu governo, como um novo comando para o Ministério da Fazenda, por exemplo.

Quem mais se enfraqueceu com este ministério foram os que saíram mais fortes da eleição: as bancadas do PMDB, do PT, do PSB, seus líderes no Congresso, os governadores eleitos desses partidos, que se fragilizaram, todos. Os vencedores não se sentem representados.

O PSB, que ficou para o fim por resistir o quanto pôde à sangria dos seus vitoriosos, terminou ontem escalado para dois ministérios: Integração, que já foi seu, e Secretaria dos Portos, também de sua cota, mas agora desidratada da intenção inicial de adquirir robustez. Haveria a soma de duas áreas importantes da infraestrutura, para agradar a um negociador exigente. Agora, não mais.

E pelo PSB se volta ao início: o fator Ciro Gomes. Houve, nesse caso, um conjunto de procedimentos mal encaminhados em que se destaca, à frente de tudo, a personalidade polêmica que, na pré-campanha eleitoral, já havia detonado todos os aliados ao lado de quem lutaria no segundo turno da disputa presidencial.

Depois, exatamente por ser controvertido, foi tratado pelo presidente do partido, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, com cuidado e distância. Assim, foi passada ao governador do Ceará, Cid Gomes, a missão de consultar o irmão Ciro sobre suas pretensões. Ele mandou responder que não queria nada.

No encontro com a presidente eleita, o presidente do PSB deu esse recado mas sugeriu que Dilma falasse pessoalmente com ele. Ela falou e ele aceitou o convite. O Ministério da Integração Nacional, que já estava com o ministro indicado por Eduardo Campos, passou para Ciro que, no entanto, queria muito mais poder, nacional, com o Ministério da Saúde.

Para os objetivos do novo governo, era muito: pretendiam todos, o PT à frente, dividir o PSB, reduzir a força de Eduardo Campos tendo em vista o jogo eleitoral futuro, e manter Ciro sob controle. Para o PT não interessam governadores ou legendas muito fortes, além do próprio PT. Conseguiram reduzir o tamanho político do presidente do PSB e da bancada, mas não mantiveram Ciro na sua órbita.

Eduardo Campos receberá de volta o Ministério da Integração e Cid Gomes, a ele equiparado nas negociações, manterá com o Ceará a Secretaria dos Portos. Dimensão restrita para o partido que elegeu seis governadores e inflou a vitória de Dilma no Nordeste.

A presidente eleita certamente deve ter percebido, com sua sensibilidade e intuição, que a presença do Ciro, por mais problemático e espumoso que seja o político, daria peso ao governo. Além de livrá-la de uma espécie de ombudsman de tempo integral. Forçou a solução, tirou de Eduardo Campos o prestígio que conquistou nas eleições, dividiu o partido, mas não teve o resultado esperado. Como esteve reclusa durante a transição, não se revelam os efeitos sobre ela das contramarchas. Porém, a falta de reações ao desrespeito de que tem sido vítima, como a grosseria de integrantes do governo que apontam, já, a volta de Lula em 2014, tirando-lhe a chance de reeleição, demonstra conformismo com o fato de estar apenas guardando lugar do padrinho e eleitor. Nada mais natural que os ministros façam o mesmo papel.


Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Nenhum comentário: