quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

EUA e China se uniram para sabotar conferência do clima

DEU EM O GLOBO

Documentos mostram que americanos estavam dispostos a entender a resistência de Pequim às pressões europeias para cortar emissão de gases

Uma visita do poderoso senador John Kerry, chefe da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, à China em maio de 2009 poderia explicar o fiasco da Conferência do Clima das Nações Unidas em Copenhague (COP-15) no ano passado. Segundo um telegrama da embaixada americana em Pequim, a visita teve como objetivo traçar "uma nova base de cooperação majoritária entre China e Estados Unidos na questão das mudanças climáticas". O recado de Washington era claro: os americanos poderiam entender "a resistência da China em aceitar os compromissos obrigatórios" da conferência.

A mensagem é um indício de que as duas nações mais poluidoras do planeta se uniram para bloquear as tentativas de países europeus para fechar um acordo sobre um pacote de medidas emergenciais para reduzir as emissões de gases e conter o aquecimento global do planeta.

Durante a conferência do ano passado, EUA e China apareceram como rivais nas negociações. De um lado, os EUA insistiam que Pequim devia se comprometer com mais reduções e ainda aceitar mecanismos de verificação externos para suas metas de corte. O governo chinês se opunha ao mecanismo e, por sua vez, acusava Washington de não fazer sua parte no trato, ou seja, anunciar metas mais ousadas de corte de gases estufa.

Investimento na China, garantia de emprego nos EUA

Kerry se reuniu com o vice-primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, e destacou a insistência da Europa em forçar os países industrializados a reduzir as emissões, mas tranquilizou os chineses, garantindo que nada mudaria, pois junto com outras nações em desenvolvimento, a China apenas teria que dizer que "trabalharia duro para reduzir as emissões".

Cálculos feitos pela embaixada americana também alertaram Kerry para o fato de que a China investiria US$175 bilhões em proteção ambiental nos próximos cinco anos - e que havia empresas dos EUA muito bem posicionadas para se beneficiar do investimento.

"A Westinghouse, por exemplo, estima que milhares de postos de trabalho nos EUA são mantidos toda vez que a China encomenda outro reator nuclear", exemplifica o documento, de 15 de maio de 2009.

A cooperação entre Pequim e Washington começou, na verdade, em 2007, quando o negociador Harlan Watson, apontado pelo então presidente George W. Bush, organizou um cronograma de entendimento entre os dois países por dez anos, além de criar o "Diálogo Econômico e Estratégico" - conversas de bastidores que nem americanos, nem chineses quiseram admitir publicamente. O governo do presidente Barack Obama apenas deu continuidade ao diálogo, conforme mostra o telegrama, ao lembrar da primeira visita da secretária Hillary Clinton à China como chefe da diplomacia americana.

"Pequim concorda com a formação de uma nova parceria em energia e mudança climática", diz o texto.

Kerry agiu como porta-voz de peso em Copenhague

A estratégia americana pode ser corroborada observando a atuação do senador americano durante a COP-15. John Kerry passou menos de um dia em Copenhague, mas, em um único e incisivo discurso, deixou clara a posição americana - e reforçou os indícios de um verdadeiro jogo duplo no qual a retórica é incompatível com as manobras diplomáticas de bastidores.

- Esse é um novo dia. Um presidente americano está vindo a essas negociações com boa fé; desta vez, para prometer um novo começo e reafirmar o compromisso dos EUA de ser parte de uma solução global (para o aquecimento da Terra) - afirmou Kerry. - Hoje, não há desculpa para não agir quando somos apenas 5% da população do planeta, mas responsáveis por 20% da emissão de gases.

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