DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)
O presidente Lula tem sido o mais assíduo e exaltado crítico da imprensa. Na condição de Grande Narrador (um dos novos atributos dos chefes de estado na Era da Informação), sente-se permanentemente desafiado a desqualificar os demais narradores para impor a sua versão dos fatos. Compreensível. E perigoso: um crítico contundente incomoda mas é inofensivo. Já um crítico contundente e poderoso torna-se ameaçador. Mesmo involuntariamente.
A última intervenção presidencial na seara da mídia na última quarta, em Brasília, soou como intimidação. Ao avaliar o trabalho da imprensa como fruto de "má-fé" o presidente da República deixa de ser um observador privilegiado e supremo magistrado para converter-se em litigante. Jamais se permitiu denunciar em termos tão candentes o trabalho do Judiciário, Legislativo ou do Ministério Público como o fez agora com o chamado Quarto Poder.
Qual a justificativa para a furibunda agressão - a mídia estaria obsessivamente privatista, obediente à Opus Dei ou muito tucana? Menos: para o presidente, a mídia insiste em ignorar as "coisas boas" (duas mil casas inauguradas), preferindo destacar um casebre que desaba. E revelou a sua estratégia: "Se você se acovardar, eles [jornais e jornalistas] vêm para cima..." Só as pesquisas de opinião reproduzem a verdade, completou.
Amigos e assessores do presidente minimizam tais acessos de cólera contra a imprensa. É possível que seja mais um truque do grande prestidigitador, mas como o presidente mostra-se tão preocupado com o que escreverão os historiadores no futuro ao compulsar os jornais de hoje, deveria pensar duas vezes antes de desancá-los. Sua popularidade hoje é espetacular, mas a sua imagem em 2030 será a definitiva.
Mais velho e teoricamente mais escolado, o chefe do Poder Legislativo, o senador José Sarney, cavalga no mesmo trote: cada vez que a imprensa escancara outra trapalhada financeira de Fernando Sarney, gestor do clã, solta o verbo contra a imprensa. No mesmo dia em que a Folha de S.Paulo jornal que acolhe as suas baboseiras semanais revelou que o governo suíço bloqueou uma conta de US$ 13 milhões remetidos ilegalmente por seu filho, o senador atacou a imprensa acusando-a de pretender substituir-se ao Legislativo na condição de "porta-voz da opinião pública". Confundiu tudo: o Congresso não é porta-voz de ninguém, é o representante da sociedade. E a imprensa cuida de fiscalizar estes representantes para que não metam a mão no erário. Uma coisa é certa: quando José Sarney põe-se a teorizar sobre a mídia é sinal de que a imprensa desvendou mais uma de suas trapalhadas.
O governador José Serra fez a opção pela discrição: bom enxadrista, montou uma estratégia visando a evitar desgastes desnecessários. Procura o caminho da urbanidade, aparece muito a vontade ao lado do presidente Lula e da sua futura rival, Dilma Rousseff quando inauguram obras em São Paulo. É possível que, por delicadeza ou solidariedade tenha aderido ao azedume presidencial contra a mídia. Designou-a como "leviana" por informar que inaugurou obra inacabada quando, na verdade, teria inaugurado uma "obra prontinha".
Jornais podem ser levianos, jornalistas podem ser acusados de leviandade, mas se a imprensa é apresentada genericamente como leviana em quem deverá o eleitor acreditar na propaganda oficial? Uma pesquisa de opinião solta, descontextualizada, sem o contrapeso de informações, vale tanto quanto um anúncio de pasta dental.
Este é o ponto: o ressentimento indiscriminado e indistinto contra os meios de comunicação deixa a sociedade órfã de referências. A mídia erra, sobretudo quando se assume como corporação monolítica, indiferenciada. Parece um espelho inconfiável. Virá-lo para a parede é a pior solução.
» Alberto Dines é jornalista
O presidente Lula tem sido o mais assíduo e exaltado crítico da imprensa. Na condição de Grande Narrador (um dos novos atributos dos chefes de estado na Era da Informação), sente-se permanentemente desafiado a desqualificar os demais narradores para impor a sua versão dos fatos. Compreensível. E perigoso: um crítico contundente incomoda mas é inofensivo. Já um crítico contundente e poderoso torna-se ameaçador. Mesmo involuntariamente.
A última intervenção presidencial na seara da mídia na última quarta, em Brasília, soou como intimidação. Ao avaliar o trabalho da imprensa como fruto de "má-fé" o presidente da República deixa de ser um observador privilegiado e supremo magistrado para converter-se em litigante. Jamais se permitiu denunciar em termos tão candentes o trabalho do Judiciário, Legislativo ou do Ministério Público como o fez agora com o chamado Quarto Poder.
Qual a justificativa para a furibunda agressão - a mídia estaria obsessivamente privatista, obediente à Opus Dei ou muito tucana? Menos: para o presidente, a mídia insiste em ignorar as "coisas boas" (duas mil casas inauguradas), preferindo destacar um casebre que desaba. E revelou a sua estratégia: "Se você se acovardar, eles [jornais e jornalistas] vêm para cima..." Só as pesquisas de opinião reproduzem a verdade, completou.
Amigos e assessores do presidente minimizam tais acessos de cólera contra a imprensa. É possível que seja mais um truque do grande prestidigitador, mas como o presidente mostra-se tão preocupado com o que escreverão os historiadores no futuro ao compulsar os jornais de hoje, deveria pensar duas vezes antes de desancá-los. Sua popularidade hoje é espetacular, mas a sua imagem em 2030 será a definitiva.
Mais velho e teoricamente mais escolado, o chefe do Poder Legislativo, o senador José Sarney, cavalga no mesmo trote: cada vez que a imprensa escancara outra trapalhada financeira de Fernando Sarney, gestor do clã, solta o verbo contra a imprensa. No mesmo dia em que a Folha de S.Paulo jornal que acolhe as suas baboseiras semanais revelou que o governo suíço bloqueou uma conta de US$ 13 milhões remetidos ilegalmente por seu filho, o senador atacou a imprensa acusando-a de pretender substituir-se ao Legislativo na condição de "porta-voz da opinião pública". Confundiu tudo: o Congresso não é porta-voz de ninguém, é o representante da sociedade. E a imprensa cuida de fiscalizar estes representantes para que não metam a mão no erário. Uma coisa é certa: quando José Sarney põe-se a teorizar sobre a mídia é sinal de que a imprensa desvendou mais uma de suas trapalhadas.
O governador José Serra fez a opção pela discrição: bom enxadrista, montou uma estratégia visando a evitar desgastes desnecessários. Procura o caminho da urbanidade, aparece muito a vontade ao lado do presidente Lula e da sua futura rival, Dilma Rousseff quando inauguram obras em São Paulo. É possível que, por delicadeza ou solidariedade tenha aderido ao azedume presidencial contra a mídia. Designou-a como "leviana" por informar que inaugurou obra inacabada quando, na verdade, teria inaugurado uma "obra prontinha".
Jornais podem ser levianos, jornalistas podem ser acusados de leviandade, mas se a imprensa é apresentada genericamente como leviana em quem deverá o eleitor acreditar na propaganda oficial? Uma pesquisa de opinião solta, descontextualizada, sem o contrapeso de informações, vale tanto quanto um anúncio de pasta dental.
Este é o ponto: o ressentimento indiscriminado e indistinto contra os meios de comunicação deixa a sociedade órfã de referências. A mídia erra, sobretudo quando se assume como corporação monolítica, indiferenciada. Parece um espelho inconfiável. Virá-lo para a parede é a pior solução.
» Alberto Dines é jornalista
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