DEU EM O GLOBO
Curva não é local para manobras radicais. Mudança de governo é curva. Ao se aproximar dela, o país está vendo governo e governistas mudando o modelo de exploração de petróleo, redistribuindo impostos estaduais, alterando a legislação de proteção ambiental e forçando uma hidrelétrica cuja construção é um impasse de pelo menos 20 anos.
Sobre nada disso há consenso. São áreas conflagradas ou que estão sob alterações que invertem lógicas e exigem novas ponderações. Nada disso pode e deve ser feito num fim de governo e no final de legislatura. O novo modelo do petróleo foi fatiado para melhor passar pelo Congresso. Semana passada, criou-se a nova empresa estatal de petróleo. Questões mais polêmicas como a mudança na distribuição de royalties, que fere profundamente as finanças de Rio e Espírito Santo, e a aprovação de um sistema equivocado de exploração de petróleo ficarão provavelmente para depois das eleições. No caso dos royalties, o governo não quer perder votos no Rio. O novo modelo que o governo propôs tem inúmeros riscos. Se já era inapropriado votar questões controversas assim num período eleitoral, é ainda mais absurdo decidir sobre isso com uma legislatura nos seus estertores. Vários deputados e senadores que votarão nestas questões, no fim do ano, terão perdido as eleições e estarão nos últimos tempos do mandato, sem representatividade para votar em decisões que se projetam para o futuro de forma tão decisiva.
A mudança do Código Florestal é mais do que o cenário de uma briga entre ambientalistas e ruralistas. É uma área em que a ciência tem adicionado evidências de uma questão fundamental para o futuro climático do Planeta. Estudos científicos de órgãos oficiais brasileiros e de universidades públicas fazem alertas sólidos sobre o risco que corre a Amazônia. O desmatamento além de um determinado ponto pode ser um tipping point, ou seja, detonar e apressar a savanização da floresta. O debate foi apequenado pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) quando o colocou como uma luta xenófoba contra supostos conspiradores internacionais, quando se aliou tão indisfarçavelmente a um dos lados do conflito e, principalmente, quando não ouviu a ciência. São muitos os cientistas que escreveram artigos nos últimos dias registrando a insuficiência da consulta a eles na preparação do relatório. Semana passada, o texto foi aprovado por 13 parlamentares na Comissão Especial e está pronto para ir a plenário. O relatório foi feito para atender aos ruralistas, mas agora eles querem mais. Já avisaram que o próximo passo é lutar para que seja reduzida a reserva legal em cada bioma, principalmente na Amazônia. Não basta que sejam anistiados do desmatamento ilegal já feito.
Por tudo o que o mundo mudou nos últimos tempos, é insensato fazer uma radical alteração do Código Florestal na direção de facilitar o desmatamento. Acenar com o perdão de dívidas a desmatadores que têm tanto poder, financeiro inclusive, numa época eleitoral é mais do que inconveniente. Promover a impunidade de quem desmatou e fazer isso em nome de aumentar a área para produção agrícola é um duplo tiro no pé porque incentiva mais desmatamento e aumenta a vulnerabilidade brasileira às barreiras verdes no comércio internacional. E como os especialistas já mostraram, à exaustão, há muita terra ociosa no Brasil que pode ser usada na agricultura por ter sido desmatada para nada, ou usada e abandonada.
A construção de Belo Monte foi imposta como fato consumado de uma forma extraordinariamente autoritária para um governo democrático. Reuniões na Casa Civil impuseram cronograma inapelável ao órgão regulador ambiental, favores excessivos dos cofres públicos garantiram o aparecimento do grupo empresarial que ganhou a licitação, dúvidas técnicas, econômicas, energéticas e ambientais foram soterradas por uma pressa inexplicável. Fundos de pensão de estatais foram constrangidos a viabilizar a usina que tem retorno e custos incertos. É falso dizer que a construção da usina está em debate há 20 anos. A usina é um impasse de 20 anos por inúmeras dúvidas não resolvidas. Passou-se agora um trator de esteira sobre elas. Mas elas cobrarão seu preço durante a construção. Os especialistas prevêem que dificuldades de engenharia e inconsistências nos cálculos dos custos vão levar a novos impasses e atrasos ao longo dos próximos anos. Essa pressa em iniciar mais uma obra de grande porte no finalzinho do governo é de novo estranho. Para dizer o mínimo.
O governo tem que governar até o final do mandato, mas certas decisões mais polêmicas e que trarão reflexos para muito além dele deveriam ser adiadas, mais bem pensadas. Faltam cinco meses e 20 dias para o fim do governo Lula. Não é o momento de mudar regras e modelos que durante os sete anos e meio anteriores ele não mudou.
A pessoa que for eleita este ano presidente do Brasil deve ter a prerrogativa de propor temas polêmicos como esses. No início de um mandato é que o governo faz propostas de mudanças desse porte. O presidente Lula, como tem deixado claro, está mais mobilizado pelo desafio de eleger sua candidata. Foi ele que escolheu prejudicar o fim do seu governo nessa busca de um mandato para Dilma Rousseff. Se ele estiver pensando mesmo em pedir licença do cargo, ficará ainda mais claro que não é o momento de decisões sobre assuntos controversos. Que eles aguardem o próximo governo.
Curva não é local para manobras radicais. Mudança de governo é curva. Ao se aproximar dela, o país está vendo governo e governistas mudando o modelo de exploração de petróleo, redistribuindo impostos estaduais, alterando a legislação de proteção ambiental e forçando uma hidrelétrica cuja construção é um impasse de pelo menos 20 anos.
Sobre nada disso há consenso. São áreas conflagradas ou que estão sob alterações que invertem lógicas e exigem novas ponderações. Nada disso pode e deve ser feito num fim de governo e no final de legislatura. O novo modelo do petróleo foi fatiado para melhor passar pelo Congresso. Semana passada, criou-se a nova empresa estatal de petróleo. Questões mais polêmicas como a mudança na distribuição de royalties, que fere profundamente as finanças de Rio e Espírito Santo, e a aprovação de um sistema equivocado de exploração de petróleo ficarão provavelmente para depois das eleições. No caso dos royalties, o governo não quer perder votos no Rio. O novo modelo que o governo propôs tem inúmeros riscos. Se já era inapropriado votar questões controversas assim num período eleitoral, é ainda mais absurdo decidir sobre isso com uma legislatura nos seus estertores. Vários deputados e senadores que votarão nestas questões, no fim do ano, terão perdido as eleições e estarão nos últimos tempos do mandato, sem representatividade para votar em decisões que se projetam para o futuro de forma tão decisiva.
A mudança do Código Florestal é mais do que o cenário de uma briga entre ambientalistas e ruralistas. É uma área em que a ciência tem adicionado evidências de uma questão fundamental para o futuro climático do Planeta. Estudos científicos de órgãos oficiais brasileiros e de universidades públicas fazem alertas sólidos sobre o risco que corre a Amazônia. O desmatamento além de um determinado ponto pode ser um tipping point, ou seja, detonar e apressar a savanização da floresta. O debate foi apequenado pelo relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP) quando o colocou como uma luta xenófoba contra supostos conspiradores internacionais, quando se aliou tão indisfarçavelmente a um dos lados do conflito e, principalmente, quando não ouviu a ciência. São muitos os cientistas que escreveram artigos nos últimos dias registrando a insuficiência da consulta a eles na preparação do relatório. Semana passada, o texto foi aprovado por 13 parlamentares na Comissão Especial e está pronto para ir a plenário. O relatório foi feito para atender aos ruralistas, mas agora eles querem mais. Já avisaram que o próximo passo é lutar para que seja reduzida a reserva legal em cada bioma, principalmente na Amazônia. Não basta que sejam anistiados do desmatamento ilegal já feito.
Por tudo o que o mundo mudou nos últimos tempos, é insensato fazer uma radical alteração do Código Florestal na direção de facilitar o desmatamento. Acenar com o perdão de dívidas a desmatadores que têm tanto poder, financeiro inclusive, numa época eleitoral é mais do que inconveniente. Promover a impunidade de quem desmatou e fazer isso em nome de aumentar a área para produção agrícola é um duplo tiro no pé porque incentiva mais desmatamento e aumenta a vulnerabilidade brasileira às barreiras verdes no comércio internacional. E como os especialistas já mostraram, à exaustão, há muita terra ociosa no Brasil que pode ser usada na agricultura por ter sido desmatada para nada, ou usada e abandonada.
A construção de Belo Monte foi imposta como fato consumado de uma forma extraordinariamente autoritária para um governo democrático. Reuniões na Casa Civil impuseram cronograma inapelável ao órgão regulador ambiental, favores excessivos dos cofres públicos garantiram o aparecimento do grupo empresarial que ganhou a licitação, dúvidas técnicas, econômicas, energéticas e ambientais foram soterradas por uma pressa inexplicável. Fundos de pensão de estatais foram constrangidos a viabilizar a usina que tem retorno e custos incertos. É falso dizer que a construção da usina está em debate há 20 anos. A usina é um impasse de 20 anos por inúmeras dúvidas não resolvidas. Passou-se agora um trator de esteira sobre elas. Mas elas cobrarão seu preço durante a construção. Os especialistas prevêem que dificuldades de engenharia e inconsistências nos cálculos dos custos vão levar a novos impasses e atrasos ao longo dos próximos anos. Essa pressa em iniciar mais uma obra de grande porte no finalzinho do governo é de novo estranho. Para dizer o mínimo.
O governo tem que governar até o final do mandato, mas certas decisões mais polêmicas e que trarão reflexos para muito além dele deveriam ser adiadas, mais bem pensadas. Faltam cinco meses e 20 dias para o fim do governo Lula. Não é o momento de mudar regras e modelos que durante os sete anos e meio anteriores ele não mudou.
A pessoa que for eleita este ano presidente do Brasil deve ter a prerrogativa de propor temas polêmicos como esses. No início de um mandato é que o governo faz propostas de mudanças desse porte. O presidente Lula, como tem deixado claro, está mais mobilizado pelo desafio de eleger sua candidata. Foi ele que escolheu prejudicar o fim do seu governo nessa busca de um mandato para Dilma Rousseff. Se ele estiver pensando mesmo em pedir licença do cargo, ficará ainda mais claro que não é o momento de decisões sobre assuntos controversos. Que eles aguardem o próximo governo.
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