segunda-feira, 16 de maio de 2011

O ideário da Al-Qaeda :: Alberto Dines

Os quase 100 mortos no atentado suicida dessa sexta no Paquistão pertenciam à etnia dos pashtuns que habita há milênios a Ásia Central. Muçulmanos mas não árabes, mais próximos dos persas, não podem ser considerados estrangeiros nem hereges. E, no entanto, foram trucidados em nome da doutrina purificadora proclamada por Osama bin Laden. O movimento Al-Qaeda - o alicerce, fundamento - começou religioso e logo tornou-se político e vago. Substituiu a pregação contra a contaminação ocidental do islamismo por uma cruzada contra a presença estrangeira no território sagrado.

As fronteiras desta terra santificada, no entanto, ficaram imprecisas, nela cabendo a Indonésia no Pacífico, o Marrocos no Atlântico, a Chechênia no coração da Rússia, a Arábia e o Bangladesh no Índico. Nesta geografia indefinida, mais preconceituosa do que propriamente religiosa, inclui-se um grande número de incoerências históricas e mesmo teológicas. O profeta Maomé jamais pregou a liquidação dos judeus, ao contrário, com eles conviveu, deles absorveu o monoteísmo assim como uma porção não desprezível de preceitos e aceitou a ancestralidade de Abrahão, pai de Isaac e Ismael. Segundo os biógrafos de Bin Laden, seu antiamericanismo era mais psicológico do que ideológico: serviu aos seus interesses e empenhou-se na guerrilha antissoviética no Afeganistão. O ressentimento manifestou-se ao sentir-se usado pelos EUA no tabuleiro da Guerra Fria e se tornou obsessão quando em 1990 viu uma poderosa força multinacional comandada pelos EUA instalar-se na sagrada península arábica para expulsar Saddam Hussein do Kuwait.

A construção deste ódio assemelha-se à construção da paranoia do nazismo. Adolf Hitler não a inventou, entregou-se docilmente aos serviços anti-bolcheviques do exército alemão (no fim da Primeira Guerra Mundial) e nesta primeira missão como agente provocador enxergou a oportunidade para expurgar as suas frustrações pessoais.

Colocou num cartapácio intitulado Mein Kampf não apenas as suas convicções de segunda-mão, mas também seus objetivos e os métodos para alcançá-los. Embora não fosse um teólogo, bin Laden preferiu esconder-se atrás de alguns postulados do Corão, combinou-os nos depoimentos e proclamações com uma simplificada formulação ideológica de inspiração conservadora. A militância política de Hitler até o seu suicídio em 1945 estendeu-se por 26 anos e provocou o maior banho de sangue dos últimos 500 anos.

Utilizando a invasão do Afeganistão em 1979 como marco inicial da trajetória de Bin Laden temos 32 anos de um confronto com um menor número de vítimas (incluindo as invasões do Iraque e Afeganistão) mas com efeitos, na melhor das hipóteses, imponderáveis. A vingança da Al-Qaeda pela execução de bin Laden dirigida contra as forças armadas do Paquistão (e não contra os EUA, como seria de esperar) escancara uma guerra volátil, travada em campos de batalha imprevistos e beligerantes mutantes. Conhecer exato ideário da Al-Qaeda talvez seja mais importante e útil do que conhecer a sua estrutura.

Alberto Dines é jornalista

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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