É verdade, mas não toda a verdade, que uma parcela ponderável da chamada base aliada na Câmara dos Deputados dissentiu do Planalto na tramitação do projeto do Código Florestal por descontentamento com a demora da presidente Dilma Rousseff em contemplá-la, a expensas do PT, com os ambicionados cargos do segundo escalão federal ainda a preencher. Do mesmo modo, é verdade, mas não toda a verdade, que o dissenso espelha a sujeição de bom número de deputados a interesses outros que não os do governo ao qual deveriam ser leais - no caso, aos interesses do agronegócio que ajudou a financiar as suas campanhas. Eles formam a infantaria da bancada ruralista, recrutada em praticamente todos os partidos.
A verdade maior é que a base se assenta em solo movediço. Ela é intrinsecamente frágil por ser artificial, um aglomerado unido pelos costumeiros cálculos de conveniência do estamento político, mas de todo destituído de consistência programática, para não dizer ideológica. Daí o paradoxo: um governo que se pauta em linhas gerais por uma ideologia, sem prejuízo das frequentes barretadas ao pragmatismo, depende no Congresso de uma maioria tão relativa quanto a "democracia relativa" de que falava o general-presidente Ernesto Geisel, dourando a pílula, para caracterizar o País sob a ordem autoritária. São raras as votações no Legislativo em que a ideologia é um divisor de águas. Uma questão pode ter ressonância - como o reajuste do salário mínimo -, mas não se decide no marco do que se convenciona chamar "projeto nacional".
Quando isso se dá - o que inequivocamente é o caso da polêmica sobre a reforma do Código Florestal - o resultado é um realinhamento no tabuleiro parlamentar. Na turbulenta noite de quarta-feira em plenário, nada menos de 88 deputados de legendas que participaram da coalizão eleitoral dilmista e são membros reconhecidos do seu governo de coligação viraram a casaca, dando os seus votos à fronda oposicionista empenhada em votar sem mais delongas o projeto relatado pelo deputado Aldo Rebelo, do PC do B. Contrariaram assim, expressamente, a orientação da liderança do governo para que a proposta fosse retirada da pauta. Isso acabou acontecendo porque a oposição não conseguiu as 257 adesões regimentalmente necessárias para a matéria ir a voto. (Obteve 177.)
Perguntado se o apoio de dois deputados de seu partido à demanda adversária representava uma traição, o petista Cândido Vaccarezza, líder do governo na Casa, sofismou. "Não houve traição", respondeu, "porque ainda não houve a votação." Quando houver - por enquanto o projeto foi remetido ao limbo -, é possível que os dois trânsfugas mudem de posição. Mas isso será uma nota de rodapé na história da tramitação do projeto. Calcula-se entre 110 e 140 o total de integrantes da base aliada decididos ou propensos a trair o Planalto. Normalmente, os governos contam com o colégio de líderes da maioria para conduzir as bancadas ao rumo que traçou - o colegiado, de resto, tem sido de há muito um dos principais instrumentos de controle do Congresso pelo Executivo; o que varia são os termos da negociação, caso a caso.
Mesmo assim, o risco é alto para a presidente. Dilma não tem votos para impor o seu modelo de Código Florestal, mediante um consenso que excluiria as emendas indesejáveis da oposição. Em contrapartida tem o poder de adiar o desfecho do confronto, como que tomando emprestado o clássico recurso parlamentar de obstruir votações. Foi o que ocorreu essa semana.
O tempo, de toda sorte, joga a favor do Planalto. No dia 11 de junho expira o decreto do presidente Lula que suspendeu a aplicação de multas e outras sanções a produtores rurais em situação irregular. Se as lideranças do setor não fizerem concessões que permitam a aprovação - de comum acordo e em tempo hábil - do texto do Código reescrito pelo governo, o decreto simplesmente não será prorrogado.
"Estou pedindo um armistício", apelou Vaccarezza. A exortação seria desnecessária se a presidente Dilma contasse com uma maioria parlamentar docilmente obediente às suas ordens.
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