Mal eu me preparava para escrever a coluna tratando da saída do PR do bloco governista no Senado, surgiu a notícia da última declaração inconveniente do menino maluquinho da Esplanada dos Ministérios, Nelson Jobim. Com efeito, a velocidade com que novas fontes de transtorno têm surgido neste início de governo Dilma Rousseff só é comparável à rapidez com que ela, quadro político dos bastidores técnicos de governos de esquerda, teve de se converter em política de palanque.
Em parte, esse ritmo alucinante de confusões é explicável pela própria natureza do presidencialismo de coalizão brasileiro: tendo de se aliar com deus e o diabo (o ex-presidente Lula já tratou disto usando imagem similar), é de se esperar que volta e meia surjam tensões e escândalos. Entretanto, se tudo fosse tão automático, não haveria governo na história deste país que não se confrontasse diuturnamente com crises daí advindas. E sabe-se que tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Lula, apesar de momentos de maior tensão (sobretudo o segundo), lograram avançar sem tantos solavancos, principalmente no início de seus mandatos. Há, portanto, outros elementos, que operam como catalizadores das explosões latentes, inerentes ao nosso modelo político.
Um desses outros elementos, com certeza, é o estilo presidencial, pouco acomodatício e marcado pela menor experiência com o (e aceitação do) jogo político tradicional. Essa menor rodagem também é causa de uma escolha presidencial, depois evidenciada como erro, de não priorizar a agenda congressual neste início de mandato. Passada a votação do salário mínimo (que ademais incluiu uma delegação decisória ao Executivo por meio da política de reajuste para os próximos anos), nada de novo e relevante o atual governo submeteu aos parlamentares, deixando-os apenas com os "restos a votar" do governo anterior - como é o caso do Código Florestal. Deixar o Congresso desocupado de uma agenda própria deste governo implicou deixá-lo à deriva - ou seja, presa fácil dos interesses segmentados.
Há também um elemento circunstancial de infortúnio: certos problemas, embora presentes há muito tempo na equipe governamental, apenas vieram à tona agora, tornando-se de conhecimento público. Foi este o caso do vertiginoso enriquecimento de Antônio Palocci, das falcatruas do Ministério dos Transportes, dos malfeitos na Conab e, como se já não fosse suficiente, da incontinência verbal de Nelson Jobim. Este já se mostrou um personagem político afeito às revelações inconvenientes quando, há algum tempo, confessou ter inserido em nosso texto constitucional algo que não havia sido aprovado pelos membros da Assembleia Constituinte. Tal afirmação não teve qualquer consequência política mais séria, porém evidenciou uma desfaçatez que agora apenas se confirma noutra esfera: a do governo ao qual Jobim pertence (ou pertencia). Observe-se que suas declarações à revista "Piauí", desqualificando duas colegas de ministério, permitem retomar com nova leitura sua invectiva de algumas semanas atrás, acerca dos idiotas imodestos. Pode-se depreender que os idiotas aos quais o igualmente imodesto Jobim se referia não seriam mesmo os jornalistas, como depois tentou atenuar.
Se sua intenção era a de causar incômodo à presidenta e ao governo, certamente conseguiu. Se fez isto para forçar sua saída do governo, certamente seguiu uma estratégia eficaz. Contudo, atingiu essas pretensas metas ao custo de comprometer sua própria imagem de homem público. Ora, seria possível romper com o governo e fazer as críticas abertamente, em vez desse estilo traquinas de aprontar um fuá e depois dizer: "não sei quem fui...!".
Contudo, a saída de Jobim abre a Dilma a possibilidade de fazer do limão uma limonada. Desde o início da formação do ministério, o PMDB proclamou abertamente que Jobim, apesar de ser de seus quadros, não era um ministro do partido - mas da cota pessoal da presidenta. Acrescente-se que a versão corrente é de que ele também não era um favorito de Dilma, sendo mais uma concessão da nova chefe de governo ao seu antecessor e patrono. Portanto, defenestrando Jobim (ou deixando-o no meio da selva amazônica, como preferiria fazer), a presidenta poderá não apenas escolher um nome de sua preferência, como ainda reforçar o peso de seus parceiros de coalizão dentro do ministério, acatando uma indicação que seja reconhecida como um representante partidário na Esplanada (seja do PMDB ou de algum outro parceiro).
Essa limonada pode se mostrar um refresco benfazejo agora, quando após muitos tensionamentos, conflitos e degolas, talvez seja o caso de iniciar um caminho inverso, de recomposição e reforço de vínculos. Embora ao perder Jobim o governo deixe de contar com um ministro que se mostrou bem sucedido em uma pasta historicamente problemática, é preciso considerar duas outras coisas no cálculo. Primeiramente, as traquinagens verbais de Jobim negativaram seu saldo. Em segundo lugar, a necessidade de reacomodação partidária no interior da coalizão supera, neste momento, os eventuais ganhos que mesmo um Jobim bem comportado poderia trazer para o futuro; pode-se afirmar que daqui para diante, ceteris paribus, não haveria mais retorno marginal decorrente de sua manutenção no cargo.
Uma razão adicional para que a recomposição política seja agora mais importante do que a continuidade da faxina é o fato, muito elementar, de que não é politicamente viável comprar muitas brigas simultaneamente. É preciso eleger alguns inimigos e algumas frentes nas quais se entrar, preservando e reforçando, noutras frentes, os entendimentos. Portanto, mesmo que as cobranças do senso comum moralista sejam a de que se realize uma "faxina completa", a prudência política recomenda ir com calma - sob o risco de a faxina acabe por se mostrar contraproducente. Trata-se do velho ensinamento weberiano de que políticos por vocação são aqueles que sabem engolir alguns sapos, fazendo prevalecer a ética da responsabilidade sobre a ética da convicção.
Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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