É sabido que a História não pensa duas vezes para proceder como o raio que se recusa a cair mais de uma vez no mesmo lugar. E o Brasil não faz exceção. No nono mês de um mandato presidencial que soma 48, a presidente Dilma Rousseff pode abrir mão do risco de se desequilibrar perigosamente à beira de uma crise aposentada. Desde que mostre convicção do que faz e se aconselhe com a própria mestra da vida, como os gregos reverenciavam a História. E assim dispensar os préstimos de Lula, que faz cortesia com o chapéu alheio sem a menor cerimônia. Dilma será outra assim que desistir da mania de dançar ao sabor das contradições que envolvem o exercício do governo recebido dos eleitores. Não está obrigada a devolvê-lo a quem nem se desloca para ter a preferência de recebê-lo de volta em 2014.
A opinião pública não foi parte ativa na campanha eleitoral e se solta à medida que os escândalos saem dos porões e sobrecarregam o exercício maroto do poder. Não sendo a primeira, nem a ultima vez em que a inflação bate à porta, a sucessora fica dispensada de errar como ocorreu a tantos governantes antes que o Real apontasse o caminho das pedras.
Milton Campos gostava de repetir, quando vinha ao caso, que “governar é resistir a pressões”. Citado fora de contexto, parece um truísmo. Faltam-lhe a sonoridade das frases de efeito em Latim e o toque de fatalidade inerente a governos em início de mandato no sistema presidencialistas de governo. Sendo o Brasil, pela própria natureza de sua opção republicana, exposto a pressões que se fazem normais em nome da própria democracia, uma voz de fonte legítima devia repetir a advertência aos governantes em primeiro mandato.
Narra o escritor mineiro José Bento Teixeira de Salles em Passageiro do Tempo, livro de memórias, dele e da política mineira do seu tempo, um episódio e uma frase de excepcional valia democrática para as circunstâncias. Milton Campos ainda se despedia das presenças ilustres, de Minas e de fora, na solenidade de sua posse no Palácio da Liberdade, quando foi informado de que Arthur Bernardes pedia, como presidente do PR, uma audiência imediata para “tratar de assunto inadiável” com o governador. E assim foi.
O episódio ocorreu no dia 19 de março de 1947 e pode ser considerado pedra fundamental no restabelecimento da democracia. A eleição nos estados ocorreu no mesmo dia. O maior partido político era então o PSD, que se assinava Partido Social Democrático mas nada tinha a ver com a concepção da social democracia no Século 19. Era um partido conservador, com experiência de governo e inesgotável paciência para negociar soluções de compromisso. E a vitória em Minas coube à UDN, geneticamente nascida para fazer e até exagerar a oposição.
Arthur Bernardes era o presidente do Partido Republicano, que vinha da República Velha liquidada em 1930. Ficou hibernado durante o Estado Novo. Tinha sido presidente da República e presidente de Minas. Como razão de urgência, alegou os compromissos partidários em torno da candidatura da UDN. Queria fazer de imediato a indicação dos nomes do PR ao secretariado do governo que se instalava.
Milton Campos lembrou que os compromissos de campanha foram assumidos pela UDN e não, pessoalmente, pelo candidato. Não eram, portanto, do governador que tomava posse. Duas pastas estavam reservadas ao PR, mas cargos de confiança são da responsabilidade do governador, razão pela qual não podia atendê-lo.
Bernardes se escuda no compromisso de campanha para insistir na prerrogativa de indicar nomes. Milton Campos reitera que não podia, como governador, aceitar imposição. E cita os nomes que já havia escolhido para representarem o PR: Mário Brant e JC Campos Christo. E arrematou: o presidente faz alguma objeção a esses nomes?
Bernardes insistiu e Milton Campos resistiu com firmeza e respeito pelo vulto histórico que governara Minas e o Brasil, sem abdicar da altivez e da responsabilidade de decidir. O episódio exemplar ficou como o marco histórico e dele resultou a frase com que, do primeiro ao último dia do seu mandato de governador de Minas, Milton Campos aplicou o princípio de que, entre outros cuidados, “governar é resistir a pressões”. Está em alta, como poucas vezes, neste recomeço de governo oriundo das urnas.
Wilson Figueiredo é jornalista
FONTE JORNAL DO BRASIL
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