Dos recursos desviados do Ministério do Esporte, 73% foram destinados a entidades ligadas ao partido
Roberto Maltchik
BRASÍLIA. Cerca de 73% do dinheiro comprovadamente desviado ou mal aplicado por organizações-não governamentais no Programa Segundo Tempo irrigaram entidades ligadas ao PCdoB, partido que continua à frente do Ministério do Esporte mesmo depois da saída de Orlando Silva. Levantamento feito pelo GLOBO nas 16 tomadas de contas especiais (TCEs), nas quais o próprio governo detectou irregularidades em convênios com as ONGs, mostra que, em oito delas, os alvos são grupos dirigidos por filiados à legenda ou pessoas que tiveram ligação estreita com os comunistas em quatro estados.
O governo busca recuperar - com o apoio da Polícia Federal, do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) - de R$28,3 milhões, apenas de convênios fechados entre o Segundo Tempo e as ONGs. Deste montante, R$20,6 milhões abasteceram os cofres de entidades atreladas ao PCdoB em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Tocantins. Entidades ligadas ao partido também estão no topo da lista de todas as ONGs beneficiadas pelo Segundo Tempo. Das cinco entidades que mais receberam recursos, quatro têm ligação com o PCdoB e não foram alvo de investigação.
Em São Paulo, desvio de R$1,6 milhão
Braço direito do vereador Netinho de Paula (PCdoB) na Câmara Municipal de São Paulo, Veruska Ticiana Franklin de Carvalho, filiada em Campinas, comandava, em 2004, a Federação das Associações Comunitárias de São Paulo (Facesp), entidade que amealhou R$1,6 milhão do Segundo Tempo para criar 125 núcleos esportivos nas cidades paulistas de Americana, Campinas, Mauá e Osasco. O objetivo era beneficiar 12.500 crianças, jovens e adolescentes. Porém, nem o Ministério do Esporte conseguiu descobrir onde foi parar todo o dinheiro, e, agora, pede de volta R$3,5 milhões (valor corrigido) por falta de execução do projeto.
Além de contabilizar beneficiados em duplicidade, a TCE, auditada pela Controladoria Geral da União (CGU), aponta que a declaração de fiscalização do convênio foi assinada por um técnico da própria ONG, "responsável pelo projeto".
Veruska saiu da Facesp, mas o comando prossegue com o PCdoB. Hoje, com Maria José da Silva, a Lia, que, da mesma forma que a ex-dirigente, não respondeu aos pedidos de entrevista. Ao GLOBO, José Carlos Venâncio, diretor da entidade, contou que tentou obter junto à contadora, conhecida por Sônia, informações sobre o convênio irregular, mas diz que a empreitada foi infrutífera.
- Aí que tá. Eu tentei buscar informações junto à contadora, mas não consegui. Era ela que tinha acesso às informações, entendeu? Eu não sou do partido e a gente quer esclarecer isso também, mas está de mãos atadas. Essas informações estão com a Veruska e com a Sônia, que trabalha na regional do PCdoB - afirmou Venâncio, que reagiu com espanto ao saber que, em valor corrigido, a União pede de volta mais de R$3 milhões.
- Está brincando! Pelo amor de Deus!
Ainda em São Paulo, no município de Guarulhos, José Cláudio Neris compareceu na última segunda-feira à Polícia Federal para se explicar sobre o convênio irregular de R$912 mil, firmado há sete anos entre a Liga Regional de Futebol Amador de Guarulhos e o Ministério do Esporte para tocar o Programa Segundo Tempo. Convênio acertado um ano depois de assinar a ficha de filiação ao PCdoB - segundo ele, porque o partido daria uma boa chance para se eleger vereador. Hoje, a União cobra da Liga R$1,3 milhão, porém Neris sustenta que não se apropriou de nem um centavo, apesar da pressão que sofreu para desviar dinheiro público.
- Eu moro no mesmo barraco até hoje. A minha prestação de contas foi extraviada. Quem extraviou foi o Manuel Jesus de Lima, um rapaz que trabalha de secretário na Liga. Falavam que não era para tocar o projeto e dividir o dinheiro com eles, entendeu? E depois eu dava um jeito de prestar contas. Se eu fizesse isso, talvez fosse até melhor, entendeu? Muita gente queria esse dinheiro. Eu só levei na cabeça - afirmou Neris ao GLOBO.
Ongueiros também são candidatos
Figura misteriosa, investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, é Luis Carlos Coelho de Medeiros, irmão de Antônio Carlos Medeiros, responsável legal pela ONG Novo Horizonte. A entidade é acusada de desviar R$2,5 milhões do Segundo Tempo, em 2006. Medeiros era ligado ao ex-ministro do Esporte, hoje governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), à época no PCdoB. Para justificar gastos com o programa, forneceu notas frias no valor de R$397 mil da empresa Infinita Comércio e Serviços de Móveis e de R$216 mil da JC Comércio de Alimentos. Nenhum dos irmãos foi encontrado para comentar o caso.
Até em Arraias, Tocantins, os desvios prosperaram no Segundo Tempo. Lá, como em Guarulhos, o dono da ONG também foi um candidato do PCdoB que perdeu as eleições e que nega que tenha ficado com o dinheiro do programa. A diferença é que Antônio Aires da Costa, da Fundação Vó Ita, queria ser deputado estadual nas eleições de 2010. Agora, deve R$879 mil aos cofres públicos e alega que teve a documentação do convênio roubada por perseguição política.
- Eu não participo de malandragem. Eu apenas pequei na prestação de contas. Eu tive meus documentos, por perseguição política, roubados. Não tenho nenhuma falcatrua. Meu projeto já foi até premiado - sustentou o político.
FONTE: O GLOBO
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