Maior tumulto econômico em décadas suscitou apenas mais conformismo e protesto ingênuo e menor
Os "indignados" e ocupantes de praças em Nova York, Madri e alhures dão o que pensar. A gente pensa no fracasso, na ruína e na evaporação das ideias inconformistas e críticas nos últimos 40 anos, assim como dos movimentos políticos que poderiam ter dado sentido a elas. Trata-se aqui de países ricos, do universo euro-americano.
Nos anos 1960 e 1970 parecia haver grande revolta no centro do mundo. Enterravam-se várias tradições culturais e comportamentais (1968 etc.), maneiras da classe dominante antiga eram vilipendiadas pela difusão de hábitos "pop", contestavam-se as relações sociais autoritárias mais cotidianas.
Os sindicatos operários davam seu último grande suspiro de protesto, o que afinal não foi pouco, pois firmaram e blindaram o contrato do Bem-Estar Social, que, mal ou bem, mas cada vez mais mal, civilizou a vida e dura até hoje.
Em seguida vieram a "grande (para eles) inflação", as recessões e, enfim, a grande liberalização financeira e maciça transnacionalização da grande empresa, coisas que ajudaram a moldar o mundo tal como ele é agora. Um molde trincado.
Isto é, um mundo de tumulto financeiro quase contínuo, de redução do poder dos governos nacionais, de despolitização desanimada diante de poderes imperiais e globais tão imensos que tornam derrisória a maioria dos movimentos políticos de protesto. A ironia da crise econômica do final dos anos 1970 e do começo dos 1980 é que ela redundou no fortalecimento das "forças da ordem", na ruína até da centro-esquerda, no mercadismo, no aumento do poder da finança, na indiferenciação cada vez maior dos partidos maiores, quase todos transformados em social-democratas conservadores.
Mas ainda naquele tempo havia a fantasia de revoluções, ideias críticas, esperanças de nova ordem, ingênuas ou selvagens que a maioria delas fosse, não importa. Havia espírito de dissenso e misérias bastantes para suscitar protesto. O que, porém, foi completamente irrelevante para a vitória fácil dos adversários desse tal espírito crítico.
A emergência do complexo asiático, da entrada no mercado mundial das massas de trabalhadores de China, Índia e cia. comprimiu ainda mais a margem de manobra política e econômica no mundo euro-americano. Tal movimento só começa -há uma outra China quase inteira para entrar no mercado.
Depois de 30 anos, um novo tumulto atinge o restante do centro econômico mundial. O nível de conforto material cresceu no mundo rico desde então. A desconfiança ou desalento com a irrelevância da política também.
Mesmo com a ruína teórica e moral de vários aspectos do mercadismo, recessões imensas, desemprego etc., a reação por ora é quase só cinismo ou a ingenuidade dos acampados e indignados de Nova York, Madri e alhures. Existiria um limiar de conforto a partir de qual a vontade de protestar se reduz a zero?
O mundo rico estaria apenas sujeito ao risco de uma lenta degradação, a fuga contínua de empregos para Ásia, emergentes e cia., o que, aos poucos, reduzirá o nível de conforto de seus habitantes, em particular na Europa do bem-estar? Um suspiro, nada de explosões, nenhuma ruptura mais?
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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