Setores industriais sofrem com a queda da demanda e a invasão de importados. Empresas planejam demissões
Gabriela Valente, Geralda Doca e Martha Beck
BRASÍLIA. A turbulência financeira que assola o mundo este ano já se transformou em crise real na economia brasileira, atacando em cheio o lado mais fraco: os trabalhadores. Levantamento do GLOBO mostra que, só nos setores siderúrgico e têxtil de Minas Gerais, 1.890 vagas foram fechadas nos últimos meses. No ramo de autopeças de São Paulo, a parada de produção colocou pelo menos outros mil trabalhadores em férias coletivas e 500 poderão acabar na rua antes do Natal.
A situação, segundo associações e sindicalistas, tende a piorar ante a freada brusca no terceiro trimestre: 35 mil postos, só em fábricas de vestuário e autopeças, correm risco de desaparecer nos próximos três meses. E mais de 200 mil no setor têxtil deixarão de ser abertos.
O argumento é o mesmo para setores diferentes: a crise encolhe os mercados do mundo inteiro. Sem ter onde desaguar a produção, o Brasil virou refúgio pelo vigor do mercado interno que ainda está aquecido. O país recebe importações, como as da China, que invadem o comércio a um preço menor, enquanto a economia desacelera e a indústria perde fôlego. Só no Rio, as encomendas de papelão para embalagens caíram 6,7% em setembro. O setor é um dos primeiros a refletir o pessimismo.
Setor siderúrgico vive situação crítica
Em Minas Gerais, os setores mais afetados ainda ensaiavam sair da crise de 2008. Porém, segundo dados da Federação das Indústrias do estado (Fiemg), os segmentos siderúrgico, de fundição e de máquinas e equipamentos pesados voltaram a enfrentar sérios problemas. Fábricas são fechadas e há demissões.
Segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sete Lagoas (MG), Ernane Dias, três siderúrgicas já fecharam e cortaram 710 trabalhadores e uma outra está prestes a parar e demitir mais 180:
- A situação do parque siderúrgico está muito crítica.
Forte no ramo de fundições, o Centro-Oeste mineiro, que faz do estado o segundo maior produtor do país, também enfrenta dificuldades e coloca em risco o emprego de 76 mil trabalhadores. Segundo Afonso Gonzaga, presidente do Sindicato da Fundição de Minas Gerais, se o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estivesse a todo vapor, o setor estaria bem, pois forneceria peças para as obras.
Já o segmento de produção de equipamentos pesados se agarra à Petrobras, que tem índice de nacionalização obrigatória, para segurar os empregos. Segundo Marcelo Veneroso, diretor da associação dos fabricantes (Abimaq), as encomendas só são suficientes para 17 semanas, contra média histórica de 26.
- Há forte tendência de demissões nos próximos quatro meses, se nada mudar - diz.
No setor de vestuário, segundo a presidente do Sindicato das Costureiras em São Paulo, Eunice Cabral, 15 mil funcionários deverão perder o emprego até o fim do ano. No setor têxtil como um todo, 1,1 mil empregos foram extintos somente em setembro. E a previsão é que 200 mil postos de trabalho deixarão de ser criados, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), ante a invasão chinesa.
Segundo o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, algumas empresas dão sinais de que quebrarão antes do fim do ano. Ele cita uma fábrica paulista de tubos para cosméticos com 60 anos, que não deve conseguir se reerguer e deve dispensar os 700 trabalhadores.
Iedi: efeitos da crise aparecerão mês que vem
O pessimismo é ainda maior no setor de autopeças. Para o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Miguel Torres, se o ritmo se mantiver, 80% da indústria quebram nos próximos anos. O setor crescia a uma velocidade de 5,3% até agosto, mas deve encerrar o ano com 1% depois de um mergulho no último trimestre. Isso pode gerar 20 mil dispensas.
As montadoras botaram o pé no freio porque estão com menos capital após remeterem lucro para salvar as matrizes lá fora. A associação do setor (Anfavea) afirma que não há crise, mas a produção caiu 8,6% em setembro, de acordo com dados da própria entidade.
- As vendas cresciam a 10% no ano passado e devemos crescer 1% em 2011 por causa, aparentemente, das importações. As demissões devem ser entre 15 e 20 mil pessoas no setor - afirma o presidente do Sindipeças (produtores de autopeças), Paulo Butori.
O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) diz que o quadro pode ficar pior, porque o principal impacto até agora é o adiamento de investimentos.
- Os efeitos da crise chegaram este mês na economia real, mas as estatísticas só vão mostrar isso no mês que vem - diz o economista do Iedi, Júlio de Almeida.
Para Flávio Castelo Branco, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o terceiro trimestre deste ano, ao contrário do ocorre tradicionalmente, foi fraco. Dados divulgados nesta semana pela entidade mostram ajustes nos estoques elevados e queda na produção. O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, defende que o governo tome medidas para evitar retração do consumo e uma contaminação geral.
FONTE: O GLOBO
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