É tudo ou nada. E com o tempo acaba restando nada. É assim, radical na aparência e inócuo na intenção, que tem agido o governo do PT sempre que surgem denúncias de desvios de dinheiro público.
Já no início de sua gestão, Lula determinou o fechamento de todos os bingos do País depois que Waldomiro Diniz, então assessor do ex-ministro José Dirceu, foi flagrado recebendo propina de um bicheiro. Hoje os bingos funcionam camuflados e sem nenhuma fiscalização. Agora a presidente Dilma ordenou o fim dos convênios do Ministério do Esporte com todas as ONGs, usadas para repassar dinheiro público ao PC do B. Quase todos os ministérios mantêm convênios com ONGs, e assim vai continuar. Com o tempo, também na pasta do Esporte.
Ou seja, o governo faz barulho, populismo, marketing, ataca momentaneamente os efeitos e deixa o caminho livre para as causas seguirem operando. Seria intencional? No caso do ex-presidente Lula pode ser. Afinal, ele não só brecou a apuração dos casos de corrupção em seu governo, como acariciou cabeças de corruptos e disseminou a prática de loteamento de cargos com o fim claro de tirar proveito para os partidos políticos, e não de servir ao País. Nada apurou, muito menos puniu e não tratou de criar barreiras para inibir fraudes.
Certamente não é o caso da presidente Dilma. Ela não só parece sincera ao assumir o compromisso de reprimir e punir o "malfeito", repetido desde o primeiro discurso na vitória eleitoral, como tem agido nessa direção. A demissão de cinco ministros, acusados de corrupção, em dez meses de governo, e o enfrentamento com os partidos que os representam são provas de cumprimento desse compromisso. É certo que ela tem tropeçado aqui e ali em declarações vacilantes e deixado as denúncias prosperarem e sangrarem seu governo. No caso da demissão de Orlando Silva, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal acabou agindo por ela. São tropeços decorrentes da inabilidade em lidar com o assunto, mas ela parece realmente disposta a não compactuar com corruptos.
Se assim é, Dilma precisa começar a trabalhar rápido na construção de um cinturão de proteção ao dinheiro público, criar regras preventivas de ação e conduta para quem ocupa cargos no governo capazes de impedir a fraude no nascedouro. Não será agindo sobre os efeitos, fechando bingos e proibindo convênios com ONGs, que conseguirá. Uma reforma política resolveria o principal foco de corrupção: o financiamento de campanhas eleitorais. Como sua aprovação depende mais do Congresso que do Executivo, resta a Dilma recorrer a um vasto cardápio ao seu alcance.
Na quinta-feira o controlador-geral da União, Jorge Hage, anunciou que o governo pensa em reproduzir a Lei da Ficha Limpa em nomeação de cargos no Executivo e obrigar ministros a assinarem convênios com ONGs, não mais delegar a subordinados. O que espanta é não ser assim há mais tempo. Afinal, o mínimo que o País exige de um ministro de Estado é não ter cometido crimes no passado. Mas vá lá, desde que não seja factoide de um momento de crise de demissão no Esporte.
Na sexta-feira, o Estado publicou um estudo de dois cientistas políticos da Unicamp que mapearam os riscos de corrupção em cada Estado do País. Em outro estudo, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) propõe ao governo Dilma uma série de medidas preventivas anticorrupção. Os dois trabalhos têm na prática da transparência - a obrigatoriedade de governos prestarem contas à população publicando em seus sites na internet atos, licitações, contratos, convênios, enfim, os números de seus gastos - o centro de uma ação preventiva para frear a corrupção. São contribuições que poderiam balizar medidas preventivas (muitas sem precisar passar pelo Congresso), se real é a disposição do governo Dilma de fechar os ralos de desvios de dinheiro. Fernando Henrique Cardoso fez a Lei de Responsabilidade Fiscal, criou a Comissão de Ética e parou por aí. Lula nada fez. Está nas mãos de Dilma dar um rumo ao seu governo neste campo, inverso ao do antecessor.
Jornalista, é professora da PUC-RIO
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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