terça-feira, 1 de novembro de 2011

Crise europeia sequestra G20:: Clóvis Rossi

Todos os debates ficam pendentes da análise sobre o novo pacote da Europa; ainda há muito a ser feito

"L"Histoire s"écrit à Cannes", proclamam os incontáveis "banners" distribuídos por todo este balneário chique do Mediterrâneo francês.

Pode até ser que se escreva uma história em Cannes, com agá maiúsculo ou minúsculo, mas o ambiente parece muito pouco propício a um final feliz.

Afinal, a graça do G20 foi a capacidade de dar uma resposta global coordenada e poderosa à crise de 2008/09, prematuramente dada como superada em 2010. Quando chegaram a Londres, para a cúpula de abril de 2009, os líderes empilharam fabuloso US$ 1 trilhão, quase metade de toda a economia brasileira da época, em diferentes estímulos às economias, todas elas embicadas para baixo (recessão, nos países ricos, ou desaceleração nos emergentes).

Agora, ao contrário, a crise é da Europa ou da zona do euro, que acaba de atingir o recorde de desemprego desde a criação da moeda única no fim do século. E nem Europa nem EUA podem sacar do coldre (ou dos cofres públicos, mais precisamente) dinheiro suficiente para vitaminar a anêmica economia.

Não adianta a diplomacia francesa, como anfitriã, ficar dizendo que a palavra de ordem é "unité". Não que não seja. O problema é definir unidade em torno do quê exatamente.

Ao contrário de 2008/09, quando o G20 olhava o conjunto de seus membros, agora a Europa é o foco: o comunicado de apenas 15 dias atrás dos ministros da Fazenda e presidentes dos bancos centrais do grupo saudava os resultados da cúpula europeia de 21 de julho, mas dizia que esperava "trabalho adicional para maximizar o impacto do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira de maneira a evitar o contágio e o resultado do Conselho Europeu do dia 23 de outubro para enfrentar decididamente os presentes desafios por meio de um plano abrangente".

Pois é, a cúpula de julho pertence à pré-história, a do dia 23 de outubro só se realizou no dia 26 e seus resultados não parecem, aos olhos dos parceiros do G20, suficientemente "abrangentes".

É verdade que só ontem os negociadores começaram a examinar as mais recentes medidas europeias, mas todas as declarações públicas indicam que elas foram, sim, importantes, porque uma cúpula fracassada abriria caminho para o caos. Mas ainda há muito trabalho a ser feito para evitar o contágio da crise grega aos países centrais da Europa, especialmente Itália e Espanha.

Só se se chegar à conclusão de que a Europa fez a lição de casa direitinho é que os demais membros do G20 se disporão a ajudar. Como? É outra dúvida. O Brasil só topa se for por meio do Fundo Monetário Internacional, enquanto os europeus passam o pires onde podem, a começar pela China, o que provoca pruridos nacionalistas em não poucos setores políticos da Europa.

Nesse ambiente, a cúpula do G20 pode acabar soterrando o debate de fundo sobre o crescimento, a variável que falta em todos os planos europeus. O Brasil acha que austeridade é bom, mas não basta. A Alemanha, indiscutida líder europeia, diz o contrário: só a austeridade devolverá a confiança aos mercados, condição sine qua non para crescer.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

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