A doença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve reduzir consideravelmente o ritmo de uma agenda que estava adquirindo os contornos de sua antiga rotina em Brasília. Além das viagens internacionais, Lula estava profundamente envolvido na articulação entre os partidos da base aliada do governo e na escalação das candidaturas amigas às prefeituras das principais cidades do país, como São Paulo e Porto Alegre.
Lula trabalha para evitar a dispersão de aliados tradicionais do PT como PSB, PDT e PCdoB, com interesses regionais diferentes, e de recém-chegados, mesmo que sob a cobertura de "independentes", como o PSD do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. O ex-presidente tratava dia e noite com os presidentes desses partidos, Eduardo Campos, Carlos Lupi e Renato Rabelo, respectivamente, além de Kassab. Ele deve diminuir o ritmo dessas articulações, segundo se espera no PT, mas também o acompanhamento e monitoramento das disputas internas no partido.
A campanha em que Lula mais se envolveu é a de São Paulo. O ex-presidente apoia a candidatura do ministro da Educação, Fernando Haddad, um nome sem experiência política anterior, que depende da ajuda de Lula para se viabilizar eleitoralmente, mas já consolidado como pré-candidato. Apesar dos boatos em contrário, ainda ontem a senadora Marta Suplicy insistia em que será candidata às previas do partido, no final deste mês. Seus aliados já começaram a recolher as assinaturas necessárias (cerca de 3,3 mil) para a formalização da candidatura, até o dia 7.
Segundo a avaliação de petistas, o problema de Haddad hoje não é a eventual ausência de Lula do processo, mas a disposição de Marta em efetivamente ser candidata a prefeita.
Marta teria todas as condições de bater Haddad na prévia, de acordo com avaliações mais independentes do PT paulista, apesar do apoio de Lula ao ministro. O problema é que ela deixou de transmitir segurança em suas intenções. Marta participa dos debates que antecedem a prévia, mas pouco conversa com outros líderes partidários, inclusive antigos aliados hoje pré-candidatos contra ela nas prévias, como Jilmar Tatto e Zarattini Jr. Os dois, a exemplo de Haddad, antigos colaboradores de Marta quando ela era prefeita de São Paulo (2001-2005).
Marta parece ausente do processo, num momento em que precisaria demonstrar que quer ser candidata, mesmo com a opinião contrária de Lula. Ela já poderia, inclusive, ter procurado conversar com Lula. Há petistas em São Paulo segundo os quais não há como Lula deixar de apoiar a candidatura de Marta Suplicy, caso ela saia vencedora da prévia partidária (algo sobre o que Marta não parece estar convencida).
Marta, por enquanto, mantém-se no páreo, talvez à espera da "contagem das garrafas" do primeiro turno da prévia partidária. Essa seria a hora de procurar candidatos a alianças.
A doença de Lula - um câncer de laringe diagnosticado precocemente - e as limitações que ela deve impor ao ex-presidente, nos próximos meses não tem como ser ignorada nas avaliações de conjuntura. O ex-presidente é figura fundamental nas articulações políticas em curso no país, sejam para as eleições ou a estabilidade do governo Dilma Rousseff. Na campanha municipal, dois exemplos demonstram o poder do ex-presidente de influenciar os rumos do partido do que presidente honorificamente: as campanhas de Porto Alegre (RS) e de Curitiba (PR).
O presidente do PDT e atual ministro do Trabalho, Carlos Lupi, quer o apoio do PT à candidatura à reeleição do prefeito José Fortunati. O PCdoB também cobra dos petistas apoio à candidatura da deputada federal Manuela D"Ávila, bem cotada nas pesquisas de opinião. Alas do PT defendem o lançamento de candidatura própria, para tentar resgatar a história do partido em uma cidade que governou por 16 anos (1989-2005). Lula articula para o PT não ter candidato e apoiar um dos dois aliados.
A coligação mais provável é com Fortunati. O PDT quer amarrar no mesmo pacote a candidatura do ex-deputado Gustavo Fruet à prefeitura de Curitiba. Na CPI do Mensalão, Fruet, que trocou o PSDB pelo PDT, foi um inquiridor implacável. Mas Lula costuma ser pragmático quando estão em jogo seus interesses eleitorais. O duro é convencer o PT de que essas alianças são favoráveis ao partido.
Com o Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do PSB, as conversas são basicamente sobre as eleições nas capitais do Nordeste. Campos é potencial candidato a vice-presidente numa chapa do PT em 2014. Lula só está incomodado com o PSB de São Paulo, que aderiu no município a Gilberto Kassab, no Estado ao governador Geraldo Alckmin e, nacionalmente, ao PT. Mas também conversa com Kassab, que não quer briga com o ex-presidente.
No Palácio do Planalto repetia-se, até sexta-feira, que não há risco de a presidente Dilma Rousseff ser multada pela Justiça Eleitoral em 2012. Nem ela nem Lula, ao contrário do que ocorreu na eleição presidencial. Ela porque não gosta do trabalho de tecer composições partidárias para a formação de chapas.
No máximo, Dilma se dispõe a gravar programas para o horário eleitoral dos candidatos do PT e da base aliada. De preferência, no Palácio da Alvorada.
A despreocupação de Lula com o TSE deve-se ao fato de não ter mais as amarras impostas pelo cargo de presidente da República. Como presidente de honra do PT, sua margem de manobra eleitoral se ampliou consideravelmente. Para Dilma é um conforto ter Lula articulando e fazendo campanha. No Palácio do Planalto chegou-se a cunhar um termo para o papel a ser desempenhado por ele em 2012: "Ministro das Eleições".
Avaliações feitas no PT levam em conta que o ex-presidente será a partir de agora notícia obrigatória, mas com exposição pessoal menor, ou seja, menos imagens na mídia. Espera-se um retorno "triunfal" de Lula, entre março e abril, curado e na condição de quem outra vez venceu a adversidade. Mais forte ainda do que em janeiro de 2011, quando deixou a Presidência da República com popularidade recorde na história do país.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
Nenhum comentário:
Postar um comentário