Ao planejar políticas públicas, Kassab ouve e considera as aspirações do povão, mas como quem faz uma pesquisa de mercado e não como quem inclui cidadãos, afirma professor da Unicamp
Primeiro, Gilberto Kassab disse que o PSD não era “de direita, nem de esquerda, nem de centro”. Depois, disse que o partido era “de centro”. Acrescentou mais tarde que não era um partido nem de situação nem de oposição, mas “independente”.
Ou seja, o PSD é um partido de direita. E, como todo partido de direita no Brasil, não consegue sobreviver fora do governo. Seja qual for o governo, seja qual for o nível da federação. É um padrão antigo da política brasileira, que foi atualizado nos últimos 30 anos de democratização segundo o modelo estabelecido pelo PMDB. É um padrão que pode ser chamado por isso de “peemedebista”.
Essa é, em última instância, a razão da derrocada do DEM e do atual declínio do PSDB. Os partidos da aliança que elegeu FHC em 1994 não conseguiram reconquistar o poder federal, perderam espaço regional e bancada parlamentar. A partir do segundo mandato de Lula ganharam subitamente um carimbo de muito velhos e obsoletos do qual simplesmente não conseguem se livrar.
E aqui entra a diferença essencial do PSD: não é a direita vencida pelo PT. O PT venceu em 2006 e em 2010 com um argumento simples: a volta do PSDB significaria um retrocesso em relação a todas as conquistas dos últimos anos. E, se o discurso do retrocesso colou até o momento, é porque tinha alguma base na realidade: o tecnocratismo e a demofobia (o horror do “povão”) do PSDB e o clientelismo tradicionalista do DEM/PFL.
Com o PSD, esse argumento não cola. Quem acompanha a política paulistana sabe que Kassab mudou o padrão clássico da direita na cidade: nada de concentrar investimentos em obras faraônicas, de grande visibilidade. A ênfase está em políticas públicas. São políticas focadas, dirigidas, pensadas.
Em lugar de se contrapor às políticas implementadas por Marta Suplicy no período 2000-2004, Kassab procurou se apropriar delas. À sua maneira, que não é a do clientelismo tradicional da velha direita, mas a de um neopaternalismo. Ao planejar e elaborar políticas públicas, ouve e leva em consideração as opiniões e aspirações dos interessados (incluindo o “povão”). Mas como quem faz uma pesquisa de mercado e não como quem inclui cidadãos que têm o direito de participar e de deliberar.
Não que, até o momento pelo menos, toda essa novidade chegue a ponto de o PSD poder sobreviver fora do governo, qualquer governo, escapando ao padrão peemedebista. Um levantamento recente feito pela revista Época (21 de novembro) mostrou não apenas o quase desaparecimento da oposição (que só existiu de fato enquanto o PT foi oposição). Mostrou também um índice de adesão aos governos estaduais nas Assembleias Legislativas de 81% para o PSD.
(Já o PMDB ele mesmo não é mais aquele: “apenas” 62% de adesismo, segundo o levantamento. Difícil dizer se o declínio do PMDB teria acontecido de qualquer maneira, se a aliança formal com o PT na verdade só impediu uma decadência mais rápida. Mas é fato que, a exemplo do DEM, o PMDB não conseguiu se renovar e está se segurando para não perder ainda mais em importância.)
Mas, ainda assim, o PSD é coisa nova. Só para dar mais um exemplo: é o primeiro partido de direita de tamanho respeitável a ter um dispositivo sindical à altura (a UGT). E que vai utilizar esse dispositivo sindical para administrar as próprias contas do partido.
Outra novidade é que, desde o início, o PSD joga junto com o PSB o tempo todo. A dupla PSD-PSB mira 2018. São complementares em termos regionais e têm um acordo tácito de não invadir terreno do parceiro. Na sua essência, é uma dupla que pode vir a ser a versão repaginada da aliança PSDB-PFL que elegeu FHC em 1994.
Dilma é continuidade de Lula II, assim como FHC II é continuidade do sucesso do Plano Real. Foram eleições ganhas com base no “fantasma de um retrocesso”. Mas a situação hoje é outra. O PT pode até continuar batendo na tecla de que sem ele na liderança do condomínio as “conquistas” dos últimos anos estão em risco. Mas isso não vai colar por muito mais tempo.
Não que haja até o momento alguma alternativa real e competitiva a Dilma em 2014. Mas o projeto do PT, tal como enunciado por Lula em abril, é para “20 anos”, vai além de 2018. E, para isso, são necessários novos avanços significativos em termos de diminuição das desigualdades e de distribuição de renda. E novos avanços dependem não apenas de aumentos exponenciais nos investimentos em educação e saúde, mas de se ir à raiz da radical injustiça tributária, por exemplo.
A grande virtude dos governos sucessivos liderados pelo PT é também hoje sua maior dificuldade: as expectativas de diminuição de desigualdade vieram para ficar. E não dá mais para corresponder a essas expectativas com uma coalizão de “A a Z” como é a atual.
Se um eventual segundo mandato de Dilma pode ou não ter uma cara mais enxuta e aguerrida como essa, é difícil dizer. O que se pode dizer é que, até lá, a dupla PSD-PSB já estará pronta para mostrar a própria cara. E já não dependerá mais do PT para tomar conta do novo condomínio pemedebista que está comprando ainda na planta.
* Marcos Nobre é professor de Filosofia Política da Unicamp e pesquisador do Cebrap, onde coordena o núcleo Direito e Democracia. Autor de Direito e Democracia - um guia de leitura de Habermas (Malheiros)
FONTE: ALIÁS / O ESTADO DE S. PAULO
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