A articulação pré-carnavalesca da eleição paulistana virou folia de caciques. Petistas e tucanos se alternaram como pierrôs e arlequins. No papel da disputada Colombina, o prefeito Gilberto Kassab e sua alegoria partidária, o PSD, foram o destaque do desfile. Mas a farra pode terminar em cinzas.
Lula rasgou a fantasia petista da democracia interna, ditou para o partido seu candidato e quais deveriam ser os aliados. Como o Pierrô da marchinha, acabou chorando a perda da Colombina para o Arlequim tucano. José Serra apareceu depois do baile terminado para bagunçar o coreto petista.
O PSDB até que tentou incluir os índios na festa, só não conseguiu encontrá-los. Os militantes-eleitores ora não sabiam para que partido militavam, ora não moravam nos endereços anotados nos registros partidários. Ao seu estilo, os tucanos contrataram uma empresa para tentar encontrar o militante perdido. Mas nem a privatização impediu a desmoralização das prévias pelo "serranismo".
O carnaval de cúpula dos partidos é embalado por uma versão ultrapassada da dança dos votos. Presume que caciques comandem eleitores para a urna como gado para o matadouro. O raciocínio por trás das articulações parece pueril.
"O PT precisa conquistar parte do eleitorado conservador para eleger seu candidato a prefeito, logo, vamos nos aliar a Kassab que ele trará os votos que faltam". Ou: "Serra polarizará a eleição com o PT e a rejeição do eleitor paulistano ao petismo dará a vitória ao PSDB".
Tudo preto no branco, simples e equivocado. As consequências podem vir a ser as prognosticadas, mas não exatamente por causa das premissas que as embasam. A decisão do voto é um processo mais matizado do que bicolor.
Das forças que comandam uma eleição, a mais importante é a satisfação do eleitor com o status quo. Governantes bem avaliados tendem a se reeleger ou influir positivamente na escolha de seu sucessor. Não é o caso de São Paulo. Hoje, um dos principais vetores eleitorais paulistanos é a vontade de mudar.
Outro cenário. Há quatro anos, Kassab partiu da impopularidade para a reeleição. Desta vez, porém, o prefeito não será protagonista da campanha de TV, não disporá do mesmo tempo de propaganda de 2008 (salvo o "tapetão") nem terá um boneco como cabo eleitoral. A tendência é a avaliação do governo municipal permanecer negativa, atraindo mais críticas dos adversários, num ciclo vicioso. Nesse cenário, ganham pontos os candidatos reconhecidamente de oposição. Quem ficar no meio do caminho, temperando críticas e elogios, é candidato a repetir Geraldo Alckmin (PSDB) em 2008 e acabar fora do segundo turno.
Outro drive importante é a capacidade de mobilização. O PT é o maior partido brasileiro e paulistano, em simpatizantes. Desde 2000, os candidatos petistas a prefeito e a presidente tiveram de 33% a 42% dos votos válidos no primeiro turno na cidade. Mas a reação é proporcional à força.
Nas últimas oito eleições municipais e/ou presidenciais, em apenas duas o PT viu seu candidato superar metade dos votos válidos em São Paulo: Marta Suplicy, em 2000, e Lula, em 2002. Ambos simbolizavam a mudança. Até hoje, o PT paulistano só acomodou seu piso alto ao teto baixo quando estava na oposição: elege, mas não reelege.
Já os tucanos não têm um patamar constante de votação. De 1996 a 2010, a performance de seus candidatos a prefeito e presidente variou de 16% a 62% no primeiro turno na cidade. Em metade das vezes, ficaram abaixo de um terço dos votos válidos, mas na outra metade foram os mais votados.
É um sinal de que não há polarização automática entre PT e PSDB em São Paulo. Os tucanos dependem das circunstâncias, de quem são os outros concorrentes: eles tendem a perder para um candidato forte situado à sua direita, como perderam para Paulo Maluf, Celso Pitta e Kassab.
Nome conhecido. Um terceiro fator relevante é a fama do candidato. Um nome conhecido tem velocidade inicial mais alta e costuma liderar pesquisas na pré-campanha. É o caso de Serra. Mas como a eleição de 2010 mostrou, reconhecimento não é igual a intenção de voto. Além disso, quem é reconhecido também é mais rejeitado.
No caso do ex-prefeito, soma-se a desconfiança por ele ter quebrado sua palavra e abandonado a prefeitura com menos de dois anos no cargo. Finalmente, Serra não poderá adotar um discurso de oposição a Kassab. Terá que endossar seu ex-vice, apesar da impopularidade.
Ao considerar sua entrada tardia na disputa, Serra deve levar em conta que ela é desejada por tanta gente que dá até para desconfiar. O PT gostaria de disputar o segundo turno com um candidato com a sua rejeição. Alckmin ganharia com sua eleição, mas principalmente com sua derrota. Essa disputa tucano-petista abre espaço para um candidato que atraia a oposição conservadora. É a avenida que Gabriel Chalita (PMDB) tentará trilhar.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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