Regozijo legítimo, até porque pode, pela popularidade, facilitar sua convivência com a heterogênea, intragável e amazônica base aliada no Parlamento, a satisfação com o resultado da pesquisa Ibope que apontou crescimento de aprovação da presidente Dilma Rousseff de 72 para 77%, no espaço de três meses, guardou um certo recato.
O círculo político da presidente gostou, mas conteve um pouco o foguetório, deixando a efusividade para a imprensa. As informações produzidas no mesmo levantamento sobre os atos do governo da popularíssima presidente, recomendaram-lhe cautela.
As avaliações da execução das políticas públicas fundamentais, de ações objetivas e transformadoras, não permitem a Dilma registrar a virada da página de um paralisante primeiro ano de governo para uma marcha ritmada de administração.
Há dados curiosos a se destacar na enquete, que podem ser vistos tanto do lado positivo como do negativo. Por exemplo, o sucesso da presidente nas viagens internacionais. Dos assuntos mais lembrados sobre o governo Dilma, as viagens da presidente à Cuba e à Alemanha estão em segundo lugar, com 7%, perdendo apenas para "programas sociais voltados para mulheres", com 9%. Não se sabe propriamente o que são esses programas, mas podem não passar de lembranças das solenidades comemorativas do dia da mulher, período em que a pesquisa foi a campo.
Não se explica, também, a forte presença das viagens internacionais na memória dos entrevistados. Uma possível razão: no exterior, a presidente tem-se mostrado mais falante e assertiva em seus pronunciamentos e entrevistas, com uma presença mais forte do que a que exibe no isolamento do Palácio.
Persistente também é a contradição dos entrevistados: ao mesmo tempo em que cresce sua admiração por Dilma, desaprova o governo e aumenta suas críticas a áreas específicas que, no ano passado, hibernaram para dar lugar à crise aguda de corrupção.
Voltaram a se manifestar os descontentes com os principais serviços que o Estado lhes presta: educação, segurança e, sobretudo, saúde e impostos.
O percentual dos que consideram o governo Dilma ótimo ou bom manteve-se em 56%, índice que fica a uma distância de 21 pontos percentuais com relação aos 77% que aprovam a presidente. E a nota para as ações da administração tem ficado nessa média desde o início do governo. O congelamento da avaliação foi considerado um dado positivo pelos otimistas. Como também tenta-se, desse conjunto de problemas, extrair uma visão benévola, destacando-se que as avaliações por área de atuação foram melhores agora que na pesquisa anterior de dezembro de 2011.
Ocorre, porém, sem querer jogar realismo excessivo no otimismo alheio, que de nove áreas avaliadas, apenas três tiveram saldo positivo, ou seja, o percentual de aprovação superou o de desaprovação: combate à fome, ação no meio ambiente e combate ao desemprego.
Os especialistas em leitura desse tipo de pesquisa, que não foi feita para partido político ou candidato em eleições, o que lhe dá maior credibilidade, defendem que o saldo é o que importa, e esse é negativo em pelo menos quatro assuntos que, no momento, focalizam o desgosto da população. O melhor saldo, entre os quatro piores, ficou com a educação. O percentual de aprovação da política educacional aumentou cinco pontos percentuais, levando quase ao empate entre os que aprovam e desaprovam o governo (49% aprovam e 47% desaprovam, pequeno porém ainda positivo).
Cresceu também o percentual dos que apoiam a política de saúde, reduzindo a diferença entre os que a aprovam e a desaprovam, mas aqui o fosso ainda é grande e permaneceu negativo em 29 pontos percentuais, com 63% desaprovando o governo. Quanto maior a renda e o grau de instrução do entrevistado, mais aumenta o saldo negativo: Nas capitais a desaprovação à saúde chega a 72%, e nas cidades com mais de 100 mil habitantes é de 70%.
Com relação à política de segurança pública, a pesquisa revela avaliação negativa estabilizada desde o ano passado: 61% desaprovam e 35% aprovam a política. O percentual de desaprovação é maior nas capitais (65%) e nas cidades grandes (66%). Entre os que têm nível superior, a desaprovação sobe a 73%.
Quanto à política de impostos, continua com avaliação ruim da população: apenas 28% aprovam essa política, enquanto 65% a desaprovam. Se for considerado o contingente com nível superior, a desaprovação vai a 81%.
Portanto, faz bem ao governo conter seus eufóricos para não aprofundar a exposição. A reforma ética parou em meados do ano passado e não seguiu adiante, levantamentos recentes mostram que mais da metade dos cargos de confiança dos ministérios cujos ministros saíram permanecem com o mesmo dirigente.
O partido da presidente continua esperando melhor momento para exigir de sua base aliada a aprovação de mais impostos, inspirando-se no desejo do Ministério da Fazenda, inconformado com a derrota sucessiva de propostas de taxações adicionais, seja para o que for, mesmo com a promessa presidencial de redução da carga tributária. De um lado, porque de outro, o Palácio do Planalto comanda os ministérios do Planejamento e da Fazenda a fazer os cortes orçamentários deste ano incidirem até sobre a saúde. A população percebe esse não mais acabar de contradições, só comparáveis às do eleitorado.
Nesse, porém, reina o desgosto generalizado com os serviços de saúde (os SUS, gratuitos, a rede privada, paga, os planos desenquadrados).
O governo, pelo que mostra até aqui, parece decidido, porém, a manter-se no alto e pleitear a reeleição só com a performance na economia que, nas análises internas, ainda tem a admiração da maioria do eleitorado, excetuados os já citados impostos abusivos e também a política de combate à inflação. Essa apresentou saldo negativo de oito pontos percentuais entre os que a aprovam e a desaprovam, na mesma pesquisa. Mas como o dono do voto não se preocupa em superar a incoerência, o alvo do voto se dá o direito de não complicar. A opção pela discrição foi puro realismo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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