Em novembro publiquei neste espaço um texto ("Na crise, a indústria global se movimenta") no qual chamei a atenção para algumas mudanças na forma de operação do sistema de produção mundial. Em particular, mencionei uma revisão na extensão das cadeias globais de suprimento, buscando reduzir o risco de paradas súbitas na produção de certos insumos críticos (como determinados chips especializados), com efeitos graves na produção de integradores e montadores mais próximos do mercado.
O triplo acidente no Japão (com efeitos deletérios na montagem de automóveis) e a inundação na Tailândia, que afetou a montagem de computadores em várias partes do mundo, foram determinantes desse movimento. Os benefícios da concentração da produção de certos insumos em "clusters" continuam a pesar nas decisões de localização de plantas, mas certamente foram ajustados para determinados riscos, como os dos acidentes acima mencionados.
A segunda mudança importante foi o renascimento da indústria americana, resultado da elevação da produtividade, da redução de custos (como mão de obra) e da revolução da produção de gás natural, a preços muito baixos. O preço atual do gás equivale a um barril de petróleo de US$ 20! Com isso, indústrias, como a petroquímica e a de aço, vivem uma época de ouro, atraindo novos investimentos, como os realizados pela Braskem e pela Oxiteno. A operação americana da Gerdau também está sendo beneficiada. A constante elevação dos custos de produção na China reforça essa tendência.
Mencionei também naquele artigo as mudanças tecnológicas associadas à evolução da biotecnologia, da nanotecnologia e da robotização. A propósito desse último tema, Raquel Landim e Renato Cruz publicaram recentemente aqui no Estado uma extensa matéria sobre sua evolução no Brasil e no mundo. De fato, a automação e a robótica estão avançando muito rapidamente no mundo, particularmente como resultado da forte queda de preço dos equipamentos, algo especialmente decorrente de melhorias na área de software.
Antes de avançar, acho importante uma ressalva. Quando se fala de robotização o que vem à mente é um boneco com inteligência artificial tipo Guerra nas Estrelas. Entretanto, isso está longe da realidade, isto é, um equipamento com inteligência artificial ainda não existe. Alguém poderia perguntar se a máquina que vence o campeão mundial de xadrez não seria dotada de tal possibilidade; a resposta é negativa. O que o computador tem, ao contrário da inteligência, é o que Martin Ford chamou "de algoritmo da força bruta". A máquina ganha do enxadrista, que tem inteligência e criatividade, pela rapidez de examinar, em segundos, milhões de opções de jogadas, escolhendo a melhor.
A produção e venda de robôs industriais vêm crescendo rapidamente: superaram mais de 100 mil unidades/ano desde 2005, exceto em 2009, quando a crise reduziu a absorção para 60 mil. Estima-se que em 2011 a venda tenha atingido 141 mil unidades. Coreia (23,5 mil), Japão (21,9 mil), China (15 mil), EUA (14,3 mil) e Alemanha (14 mil) são os que mais compraram robôs. Por exemplo, o excelente Ethevaldo Siqueira visitou uma fábrica na Coreia, de telas de TV, totalmente automatizada. No mesmo ano, estima-se que o Brasil adquiriu 640 unidades. Estima-se ainda que o estoque mundial de robôs em operação seja algo entre 1,1 milhão e 1,3 milhão de unidades.
Do ponto de vista setorial, a indústria eletrônica e a automotiva são de longe os maiores consumidores. A demanda deverá continuar a crescer rapidamente nos países industriais líderes. Na área de serviços, o crescimento também tem sido muito rápido, destacando-se saúde, entretenimento e militar.
A expansão da automação é resultado de muitos fatores. A primeira causa é a redução de custos, especialmente de mão de obra, inclusive por menores riscos de acidentes no trabalho e pela preservação da saúde do trabalhador. Isso é especialmente verdadeiro em áreas como pintura e solda. Há redução também dos custos de energia e no consumo de materiais, em razão de menor desperdício. Ao mesmo tempo, a produtividade das fábricas se eleva pela possibilidade de produzir dia e noite, com uma cadência constante, pela precisão e qualidade do acabamento das peças, pela utilização do espaço da fábrica e pela maior flexibilidade na linha de produção, uma vez que a reprogramação do equipamento é muito fácil. Em resumo, a robotização permite produzir grandes volumes de produtos, com alta qualidade e menores custos. Como resultado, a expansão da nova tecnologia vai seguir crescendo velozmente, até mesmo, em países com limitações na oferta de mão de obra qualificada, como é o caso do Brasil. Todos os setores produtivos (indústria, mineração, agricultura, medicina, transportes, etc.) serão afetados.
Em paralelo, outra revolução avança, que é o desenvolvimento da impressora em 3D. Esse equipamento utiliza o conhecimento adquirido com base nas impressoras a jato de tinta (que trabalham em duas dimensões) e de inovações na eletrônica, na química e no laser. Trabalha com pó de metal ou de plástico e, comandada por um software, constrói uma peça, por exemplo, depositando o material camada por camada.
É, por isso, chamado de um processo aditivo (additive manufacturing), para se diferenciar da forma clássica de construir a peça, por exemplo, de um bloco de metal. Este é desbastado por um torno, sendo, portanto, um processo subtrativo. As impressoras em 3D têm, em consequência, uma grande economia de matéria-prima. O processo também utiliza menos energia. Quem vê, pela primeira vez, um equipamento desses construindo um bloco de motor fica muito impressionado, posso garantir.
Quando esses equipamentos surgiram, há pouco mais de uma década, eram utilizados para construir protótipos, de forma rápida e barata, acelerando as inovações. Por essa razão, um dos mais importantes efeitos da tecnologia é diminuir as barreiras à entrada na indústria, beneficiando realmente os bons projetos, que só se conhecem quando vão a mercado. Mais uma vez, o preparo e o conhecimento das pessoas e das empresas será o fator decisivo. A combinação dessas tecnologias inovadoras vai implicar uma revolução no mundo da produção industrial. Vale a pena destacar os seguintes pontos:
1. Os países com grande disponibilidade de mão de obra perderão parte de sua vantagem. As vantagens comparativas estarão nos países com menor custo de energia, de infraestrutura e maior oferta de pessoal altamente qualificado, dedicado à geração de novo conhecimento. É neste último item que os países bem-sucedidos na Ásia (China e Coreia, especialmente) investem tão furiosamente;
2. No que depender dessas tendências, a distribuição de renda vai piorar;
3. A qualidade dos produtos vai se elevar;
4. Muitas ocupações intermediárias serão substituídas pela automação;
5. O emprego industrial crescerá menos que o valor adicionado do setor;
6. As novas tecnologias ajudam a reduzir custos em elevadas escalas de produção. Ao mesmo tempo, viabilizam escalas menores, permitindo o que Peter Marsh chamou de massificação personalizada.
É o início de uma nova revolução na produção industrial. Nossa indústria, também por essa razão, será afetada.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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