A fragmentação do sistema partidário brasileiro é considerada por muitos analistas de nosso cenário político como a razão para a instabilidade das relações entre o Executivo e o Legislativo. Por isso o historiador José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras, considera que o começo de uma reforma institucional deveria se dar pelos sistemas eleitoral e partidário, para evitar o risco de paralisia decisória e a compra de votos e partidos, colocando em contraposição conceitos de governabilidade e corrupção.
Para ela, o número de partidos "sempre gera maior custo de transação, mas não necessariamente afeta os resultados ou aumenta problemas de governabilidade", o que depende "da posição ideológica dos partidos parlamentares".
"Há estudos, com amostra do mundo inteiro, que mostram que, acima de três partidos e alguma coisa, há uma queda nos efeitos negativos do número de partidos", lembra Argelina Figueiredo.
Ela se diz favorável ao sistema eleitoral brasileiro, proporcional com lista aberta. "Mudanças só na regulamentação e fiscalização de campanhas."
É contra o voto distrital, até mesmo o que chama de "a conta de chegar" do sistema distrital misto, pois não aceita "nada que limite o poder de escolha do eleitor, ou seja, a representação".
Enquanto Sérgio Abranches defende o fim das coligações proporcionais, segundo ela, "não há causalidade entre coerência e coligações".
As coligações eleitorais têm objetivos, como não desperdiçar votos, por exemplo, "que são exógenos à ideologia dos partidos e não têm efeito sobre eles".
Argelina Figueiredo explica que "partidos ideológicos se coligam se acham que, por meio de alianças, vão ter resultados mais eficazes na mobilização dos eleitores. Da mesma forma que ocorre com partidos não ideológicos".
Ela admite que as coligações podem ter impacto "na capacidade de os eleitores poderem responsabilizar o partido em que votaram, mas no caso do Brasil ainda podem responsabilizar o parlamentar, ou seja, o parlamentar pode ser punido".
Ela também é contra as chamadas "cláusulas de barreira", que estipulam um percentual mínimo de votos para que os partidos possam ter representação no Congresso, e lembra que "já existe uma cláusula de barreira no próprio distrito do partido que é o coeficiente eleitoral".
Para excluir do quadro partidário os chamados "partidos de aluguel", ela diz que algumas medidas poderiam ser adotadas, por exemplo com relação ao tempo de TV.
Mas considera que "o mais fundamental é garantir que nenhuma cláusula de barreira possa atingir partidos ideológicos ou de representação de opiniões (verde, municipalista, cristão etc)".
"Prefiro que alguns partidos de aluguel permaneçam do que partidos que representam qualquer corrente de opinião sejam excluídos."
Para Argelina Figueiredo, "são exatamente as instituições de representação, a forma de governo e de organização do Estado (federalismo) que, permitindo vários pontos de entrada no sistema político, constituem um sistema de checks and balances que neutraliza a força do Executivo no interior do sistema decisório".
Já o cientista político Sérgio Abranches considera a fragmentação partidária um problema, embora admita que "sobre esse ponto há enorme controvérsia. Qualquer solução é muito difícil, porque afeta os cálculos individuais de elegibilidade dos próprios parlamentares que teriam que votar as mudanças".
Abranches diz que sempre foi contra o voto distrital, que na sua opinião "só pioraria as coisas, com o localismo que lhe é inerente".
Uma das soluções para reduzir a fragmentação dos partidos seria a mudança de cálculo da proporcionalidade, "para acabar com as sobras de votos que elegem representantes sem votos".
Ele defende a mudança do sistema D"Hondt, que utilizamos, para o Saint Laguë. A diferença é que o primeiro "permite sobras grandes, que produzem o "efeito Enéas", pelo qual um candidato muito bem votado elege outros praticamente sem voto, enquanto o segundo "cobra" mais votos para eleger cada deputado e praticamente elimina as sobras".
Esse método, adotado nas sociais-democracias escandinavas, tende a reduzir o número de partidos que conseguem representação entre 4 e 6. "Isso, somado à proibição de alianças e coligações, reduziria consideravelmente a fragmentação e permitiria melhorar significativamente a governança no presidencialismo de coalizão", diz Sérgio Abranches.
A não coincidência entre as eleições nacionais - presidente, senadores e deputados federais - e as locais - governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores - "permitiria dar um pouco mais de conteúdo nacional às campanhas nacionais e um pouco mais de teor programático às alianças".
Fora isso, Abranches aponta o problema da corrupção, "que ficou crônico", como uma questão a ser superada .
Seu enfrentamento depende de atitudes fortes do presidente, tolerância zero, Dilma às vezes parece querer chegar nisso; da independência do Ministério Público e da Polícia Federal; e da formação de consenso contra a impunidade no Judiciário."
(Terça-feira, falam os políticos).
FONTE: O GLOBO
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