Depois que chegou ao poder, com Lula, o PT se fragmentou em núcleos regionais que travam duras disputas internas, a exemplo do que ocorre hoje no Recife
Sérgio Montenegro Filho
Após quase 12 anos de poder, o Partido dos Trabalhadores (PT) é hoje, sem sombra de dúvida, diferente daquela legenda operária dos anos 80 e 90, que primava por um discurso radical de oposição e – mesmo dividido em várias tendências ideológicas – sempre unia forças quando se tratava de combater os governos “neoliberais”. Bem maior do que era antes de assumir o Palácio do Planalto, em 2003, o PT atual é um partido institucionalizado e fracionado em vários PTs regionais, cujos núcleos, muito além de divergirem entre si, travam disputas fratricidas pela hegemonia local.
A necessidade da realização de prévias para a escolha do candidato a prefeito do Recife é um exemplo do processo de autofagia a que se submeteram os petistas. Embora em nível estadual o partido esteja sob o comando do senador Humberto Costa, na capital o cenário é diferente. Além do grupo de Humberto, outros dois segmentos – o do prefeito João da Costa e o do deputado federal João Paulo – brigam, nem sempre silenciosamente, por espaço. Essas subdivisões do PT lembram, segundo o cientista político paranaense Roberto Romano, o início do processo de fragmentação do PMDB, deflagrado ainda durante a ditadura militar, ainda com a sigla MDB, que abrigava sob um único guarda-chuva toda a oposição ao regime de exceção.
Professor da disciplina de Ética e Política da Universidade Federal de Campinas (Unicamp), Roberto Romano elaborou um estudo em que compara a subdivisão do PT às “capitanias hereditárias” do PMDB, espalhadas pelo País, sob o controle de caciques regionais. A diferença, segundo ele, é que os peemedebistas não dispõem mais de uma grande liderança, papel que já coube a figuras como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves e Franco Montoro. Alguém que os comande rumo a um projeto nacional. O PT, por sua vez, conta com a força política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, mais recentemente, com a da presidente Dilma Rousseff. “No início do atual governo, eu imaginava que Dilma faria apenas um mandato-tampão, abrindo espaço para a volta de Lula em 2014. Mas ela construiu estilo e força próprios, e já tem essa capacidade de unir o PT”, reconhece Romano.
Para o professor, porém, o trabalho de “costura” do partido deve ficar mais difícil a cada dia. Sobretudo pelo recrudescimento das disputas regionais no PT. “hoje temos o PT de Jaques Wagner (BA), o de Tarso Genro, o de Humberto Costa (PE), o dos irmãos Tião e Jorge Vianna (AC), o de Luizianne Lins (CE) e vários outros espalhados pelo País. Sem falar de São Paulo, que tem vários PTs. E em todos esses locais, o partido trava brigas internas entre grupos rivais”, analisa. Para ele, com tantos segmentos, o PT já atingiu o mesmo nível de “oligarquização” do PMDB, mas com uma diferença: embora tenha passado quase 12 anos no governo, não soube ampliar seu poder nos municípios, como fez o PMDB.
“Os petistas optaram por fazer alianças com outros partidos, em nome da governabilidade. Já o MDB, pelo fato de ser oposição num período de ditadura, não dispunha dessa alternativa e precisou se reforçar nos municípios. Tornou-se, assim, o maior partido nacional, e se mantém até hoje como fiel da balança, inclusive nos governos do PSDB e do PT”, explica Roberto Romano. Mas ao menos por ora, segundo ele, o PT ainda conta com alguém que costure a unidade interna entre os núcleos regionais da sua federação. “Lula, mesmo doente, continua sendo um operador poderoso, de uma genialidade política espetacular na construção de alianças e acordos”, afirma.
O estudioso, porém, levanta dúvidas sobre o futuro eleitoral do ex-presidente. Considera improvável que ele ainda venha a disputar a Presidência em 2014, diante da alta popularidade conquistada por Dilma, que deve concorrer à reeleição e, de alguma forma, assumir a ponta no papel de articuladora da federação petista. “Lula fez o milagre político de reproduzir em Dilma esse elo que, antes, somente ele representava, que une todo o PT”, analisa. E provoca: “Quem mais empolgaria o partido em 2014? Tarso (Genro) não passa da região Sul. Patrus (Ananias) não sai de Minas Gerais. (José) Genoíno, Marta (Suplicy) e (Aloísio) Mercadante são quadros do passado paulista do PT. E (Antônio) Palocci e (José) Dirceu, que eram os nomes preferidos de Lula, foram para o espaço depois das várias denúncias contra eles”.
Restrições
Roberto Romano também descarta, por enquanto, a hipótese de o PT vir a jogar o jogo presidencial de 2014 apoiando um candidato de uma legenda aliada, a exemplo do governador Eduardo Campos (PSB), cujo nome, vez por outra, tem sido especulado. “A própria Dilma, pelo fato de ter pertencido antes ao PDT, enfrentou restrições no PT, e só foi aceita depois que Lula declarou apoio integral a ela”, lembra. “Eduardo Campos é um político jovem e articulado, tem um bom discurso. Mas lhe falta o respaldo da mídia nacional e, principalmente, do PT. Talvez tenha chances em 2018, quando Lula e Dilma tiverem saído de cena”, conclui.
FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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