Dona Maria das Graças,
Eu e a Lota de Macedo Soares ficamos na maior felicidade quando soubemos que a senhora comprará para a Petrobras o terreno onde está o quartel-general da Polícia Militar do Rio de Janeiro, na Rua dos Barbonos, que hoje chamam de Evaristo da Veiga. Há mais de 250 anos eu desenhei a estrutura do aqueduto que abasteceu o Centro do Rio, os Arcos da Lapa. Ele ia do Morro da Santa Teresa ao de Santo Antônio. Foi uma obra sem maiores pretensões que hoje é uma das belezas da cidade. No governo do senhor Kubitschek, desmontaram parte de um dos morros, atirando a terra na orla que ia da ponta do Calabouço a Botafogo. Eu vi como Dona Lota transformou esse aterro na joia que é. Não fosse ela, aquilo viraria um carrascal cortado por pistas de carros.
Pois, enquanto os burocratas foram dobrados por Lota em relação ao despejo da terra, prevaleceram na urbanização da área onde estivera o morro. Fizeram uma avenida chamada Chile, ligando o Largo da Carioca à rua que tem o nome do Senhor Marquês do Lavradio. Um quilômetro de desastre e desconforto, frio na aparência, infernal na temperatura, sem árvores que nos deem sombra. Agravou-se a ofensa com a construção de edifícios recuados, hostis ao pedestre. Isso para não falar do prédio da Petrobras, muito feinho, que passa por moderno porque fica ao lado da catedral mais horrível destas terras de Nosso Senhor. Não há no Rio outra avenida desse tamanho onde não se possa parar para um café ou, no caso dessa trilha de camelos, beber um copo d"água.
O terreno de 13.500 metros quadrados do quartel que a senhora quer comprar por R$ 336 milhões vai dos fundos da Petrobras à Rua Evaristo da Veiga. Faça um concurso internacional de arquitetura, não dê o projeto a amigos da casa. Mais que isso, provoque o remanejamento do tráfego dos pedestres. Se a Petrobras abrir um espaço na Evaristo da Veiga, criará um acesso aprazível à Avenida Chile para quem vem do muito lindo Passeio Público. Quem sabe a senhora oferece uma ajuda ao arcebispo D. Orani Tempesta para que ele cristianize a área adjacente à catedral. Juntos, vosmecês farão um jardim que ocupará quase todo o lado da avenida onde estão vossos prédios. O Burle Marx, que cuidou da paisagem do Aterro, assegura que ali se pode fazer uma das mais belas praças do velho Centro. A Petrobras tem 17 jardins suspensos. Arborize o chão dos cariocas, a senhora não perderá área útil para sua torre.
Do seu vassalo
José Fernandes Pinto Alpoim, engenheiro militar
O aborto ao alcance de todos. Um levantamento do Ministério da Saúde revelou a existência de 359 sites que vendem ilegalmente na internet a droga abortiva Cytotec. Cobram R$ 350 pelo kit de cinco comprimidos. Enquanto a questão do aborto é mantida numa moldura teológica, a vida real ensina que ele está ao alcance de todas as mulheres que aceitam colocar sua saúde em risco, tomando a droga sem assistência médica. (A história da agulha de tricô é lenda, e nela acreditou até a doutora Dilma durante a campanha eleitoral.)
Desde o final do século passado o problema dos médicos deixou de ser o atendimento a mulheres que buscam abortos clínicos. Na absoluta maioria dos casos, as pacientes chegam a eles com os efeitos adversos do Cytotec e só lhes resta dissuadir as jovens que veem na droga um anticoncepcional de última instância. Tomaram o primeiro, resolveram o problema e pretendem tomar o segundo.
Todo mundo ganharia se, em vez de se discutir se o aborto deve ou não ser permitido, o assunto fosse tratado como uma coisa que está aí, ao alcance de todos (com R$ 350 no bolso), arriscando a saúde das mulheres, muitas vezes de adolescentes.
Greve na UFF. Há na Universidade Federal Fluminense professores que defenderam a greve iniciada na terça-feira, sem dia para terminar, em busca de um novo plano de carreira e melhores salários. Hoje o piso por 20 horas de serviço vale R$ 557, e eles pedem R$ 2.239.
O que não se deve supor é que os três mil professores da instituição decidiram parar. Normalmente, as assembleias que puxavam greves tinham pelo menos 400 professores, representando institutos e departamentos. Desta vez, a assembleia teve cem mestres representando a si próprios. Para reforçar seus argumentos, além de recorrer a piquetes, uma milícia bloqueou com tapumes dois portões de acesso ao Instituto de Ciências Humanas e Filosofia. Sem tapumes nem piquetes, na sexta-feira a greve desmanchou-se no ar.
Sono do Planalto. A doutora Dilma é uma gerentona. Tudo bem. Resta saber por que há 60 listas para preenchimento de vagas no Superior Tribunal de Justiça e em tribunais federais, trabalhistas e eleitorais dormindo nas prateleiras do Planalto.
Nunca aconteceu isso.
Miau au. A cidade de São Paulo tem quatro milhões de bípedes vivendo em áreas onde não há hospitais públicos.
O prefeito Gilberto Kassab pretende comprar equipamentos e custear a operação de um hospital público para cães e gatos. (Eles seriam três milhões na cidade.)
Quando um trabalhador de São Miguel Paulista, onde há um tomógrafo encaixotado desde o final do ano passado, entrar nesse hospital latindo, sobre quatro patas, será posto para fora?
A fera tunisiana. No dia 17 de dezembro de 2010, o vendedor de frutas tunisiano Mohamed Bouazizzi ateou fogo às vestes em frente à prefeitura da cidade de Sidi Bouzid. Semanas depois, morreu. Seu caso acendeu a fagulha que incendiou o mundo árabe, derrubando os governantes da Tunísia, do Egito e da Líbia.
À época, noticiou-se que uma policial (Faida Hamdi) achacava-o sistematicamente. O companheiro Barack Obama referiu-se a ela, dizendo que era uma policial e esbofeteara o vendedor.
O jornalista Michael Totten foi a Sidi Bouzid e conversou com Faida. Resultou no seguinte:
1) Ela não é policial, mas fiscal da prefeitura.
2) Nunca portou arma nem esbofeteou Bouazizzi. Se o tivesse feito, uma mulher batendo num homem teria sido notícia na cidade.
3) Ela nunca falara com ele.
4) "Eu não aceito propinas." (Acredita quem quiser.)
5) Foi presa e condenada a quatro anos de cadeia. Durante algum tempo, nenhum advogado aceitou defendê-la.
FONTE: O GLOBO
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