A Lei de Acesso à Informação pode ajudar a pôr fim a uma prática pouco transparente de governos: esconder resultados de avaliações de políticas públicas.
Política pública, avaliação secreta
Para especialistas, Lei de Acesso acaba com prática de governos de esconder resultados de estudos
Antonio Gois, Alessandra Duarte
Em vigor desde o dia 16 deste mês, a Lei de Acesso à Informação pode ajudar a pôr fim a uma prática pouco transparente de governos e organismos internacionais: esconder, retardar ou divulgar só parcialmente estudos encomendados para avaliar políticas públicas. Pesquisadores consultados pelo GLOBO contam que é comum contratos com órgãos públicos serem assinados com cláusulas de sigilo. Para estudiosos da nova lei, a prática terá de ser revista, e eventuais termos de sigilo firmados antes da nova lei não valem mais.
Exemplo da falta de independência de pesquisadores contratados para avaliar políticas vem do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), que até hoje não divulgou na íntegra a segunda rodada de avaliação de seu mais importante programa, o Bolsa Família. Os pesquisadores foram a campo em 2009 e acompanharam 11 mil famílias em 269 cidades, ao custo de US$ 2 milhões. Em agosto de 2010, dois meses antes das eleições, o ministério convocou a imprensa para apresentar resultados parciais, divulgando nota de quatro páginas e um comunicado que dizia que o programa "fazia a criança progredir na escola e ter vida mais saudável". Desde então, nada mais foi publicado.
O GLOBO solicitou a íntegra do estudo ao MDS e a um dos autores da avaliação, John Hoddinott, do IFPRI (sigla em inglês para Instituto Internacional de Pesquisa em Políticas Alimentares). Do ministério, ouviu que o processo de validação dos últimos produtos da pesquisa estava sendo finalizado e que seus resultados seriam postos à disposição do público "como é praxe nas pesquisas de avaliação conduzidas pelo MDS". De Hoddinott, ouviu que ele já estava pronto, mas que não havia autorização do governo brasileiro para sua divulgação. Pesquisadores reclamam que a primeira rodada de avaliação do programa, realizada em 2005, até hoje tem trechos não divulgados.
O exemplo do Bolsa Família não é exceção. Mês passado, o colunista Elio Gaspari revelou que a pesquisadora Ligia Bahia, da UFRJ, fez sob encomenda do CNPq estudo sobre o mercado de saúde privada com críticas à atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula planos de saúde. O CNPq, no entanto, rejeitou o trabalho dizendo que "os resultados estavam desconectados dos objetivos propostos". O estudo acabou sendo divulgado no site da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e a polêmica motivou um abaixo-assinado, em apoio a Ligia, de quase 300 acadêmicos, como Aloisio Teixeira, ex-reitor da UFRJ.
Outro exemplo de avaliação de política pública divulgada pela imprensa antes de o governo tornar público seus resultados foi um estudo da professora Lena Lavinas, da UFRJ, sobre o programa Um Computador por Aluno. O relatório final, entregue em novembro do ano passado à Secretaria de Assuntos Estratégicos, fazia críticas à forma como o programa piloto foi implementado. Resultados e recomendações foram ignorados até o momento em que o estudo foi divulgado.
Professora da Ebape-FGV, Sônia Fleury lembra que contratos com organismos internacionais, em geral, também tornam esses órgãos "proprietários da produção" dos estudos.
- Podem ou não divulgar os dados, enquanto os autores ficam impedidos de divulgar seu trabalho - diz Sônia, dando outro exemplo de sigilo: - Há um conjunto de avaliações feitas sobre as favelas pacificadas no Rio, contratadas por organismos internacionais, e que até o momento não foram tornadas acessíveis a pesquisadores e à sociedade.
Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), Marcos Costa Lima, professor da Universidade Federal de Pernambuco, confirma a prática de termos de sigilo, que chama de "corriqueira" e diz que já foi impedido de divulgar resultados.
- Já participei de uma pesquisa sobre urbanização de favelas, do governo estadual de Pernambuco com o Banco Mundial, em que não podíamos divulgar os resultados, nem usá-los em outros estudos - afirma Costa Lima, para quem o sigilo também não se justifica na contratação de pesquisas.
O presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais, José Marcos da Cunha, concorda com os colegas, com exceção dos casos de projetos pilotos.
- Não vejo motivos para que estas pesquisas não sejam divulgadas, a não ser talvez em casos de projetos pilotos que se prestam para avaliações de políticas a serem implantadas.
FONTE: O GLOBO
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