Dilma vai chegando ao fim do primeiro biênio de governo com uma contabilidade contraditória: popularidade alta, economia retraída e conflitos federativos
Há uma razão não explicitada na defesa da cassação dos deputados condenados no julgamento do mensalão pelo próprio Supremo, tese que rachou a Corte numa votação quatro a quatro, a ser desempatada pelo ministro Celso de Mello. Diz o artigo 53 da Constituição que nenhum parlamentar será preso no exercício do mandato, “salvo em flagrante de crime inafiançável”. Não é o caso. Logo, as prisões e a exibição de algemas, que o procurador-geral Roberto Gurgel pediu ao STF para determinar logo no fim do julgamento, só aconteceriam, pelo rito constitucional, depois que eles forem cassados pela Câmara, conforme previsto no artigo 55, por conta das condenações. Os processos neste sentido, diz ainda o artigo, devem ser abertos depois que as sentenças transitarem em julgado. Ponha-se meses nisso, visto que só os acórdãos, segundo a ministra Cármem Lúcia, levarão três meses para serem publicados. Depois, virão os recursos. Então, para mandar prendê-los, o STF terá primeiro que cassá-los, ele mesmo, apesar das divergências, inclusive na Corte.
Essa explicação é dada por juristas sob reserva. Não querem trombar com o Supremo. Mas ela informa sobre a falsidade ou equívoco de alguns argumentos apresentados pelos defensores da cassação pelo tribunal. Argumentos que espalham o terror moral, mas falam de situações improváveis, a não ser que rasguemos a Constituição. Por exemplo, o de que seria intolerável a presença, na vida parlamentar, de deputados presidiários, que durante o dia votariam e à noite dormiriam na prisão. A combinação dos dois artigos diz que nunca haverá deputado preso antes de ser cassado, pela própria Câmara, em decorrência da condenação pelo Supremo.
Por 20 anos, Mozart Vianna foi secretário-geral da Mesa, o que lhe deu notório saber sobre estes temas. Ele também entende que as cassações são prerrogativa do Congresso e que a Constituição veda a prisão no exercício do mandato. Talvez, diz ele, exista a desconfiança de que a Câmara não abriria os processos de cassação, protegendo os condenados. “O Congresso é um poder, não a soma de seus membros. Jamais descumpriria a Constituição que votou e promulgou.”
Lula nas ruas. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está na estrada há mais de 30 anos. Nesse tempo, reagiu às tentativas de cerco com tática já conhecida: sair do isolamento, voltar às ruas e estreitar os vínculos com o povo, buscando voto ou apoio. Ou os dois. Na fala de Paris, mais importante que a ameaça de “um dia voltar a ser candidato” — um dia que cairia em 2014 — foi o aviso de que reeditará as Caravanas da Cidadania. Com elas, Lula e o PT chegaram ao Brasil profundo, abrindo caminho para a vitória em 2002. Em 2005, na crise do mensalão, quando a oposição começou a falar em impeachment, ele avisou que não teria o destino de Vargas, nem de Jânio e nem de Jango. Deixou o Planalto e começou a viajar pelo Brasil. Constatando que a proposta de impeachment não teria base popular, a oposição optou pela “sangria prolongada” para evitar sua reeleição. Perdeu em 2006 e em 2010.
Para evitar a reeleição de Dilma, os adversários tentam, primeiro, quebrar as pernas de Lula, embora o provável candidato tucano, Aécio Neves, diga que o alvo deve ser ela. O aviso de Lula foi de que voltará logo às ruas para defender a permanência do PT no poder. Seja com Dilma ou até com seu retorno, se for preciso. 2014 já começou. E promete uma luta política das mais encarniçadas.
Conjuntura Dilma. Dilma vai chegando ao fim do primeiro biênio de governo com uma contabilidade contraditória: popularidade alta, economia retraída e conflitos federativos.
Na sexta-feira, quando fez 65 anos, colheu mais um elevado índice de aprovação ao governo (62%) e à sua atuação pessoal (78%), segundo a pesquisa CNI/Ibope. Não foi arranhada pelo julgamento do mensalão nem pela Operação Porto Seguro. A economia, por outro lado, não respondeu satisfatoriamente, no terceiro trimestre, às medidas tomada pelo governo. Mas também na sexta-feira surgiram sinais de que outubro foi bem melhor que setembro, e de que os dois últimos meses podem garantir um PIB menos decepcionante que o imaginado.
O principal problema da presidente, hoje, é o federativo, que poderia ter sido evitado com mais diálogo. Os estados perderam receitas com a retração econômica e com as desonerações adotadas para enfrentá-la. Candidata, Dilma precisará dos governadores. O Congresso deve derrubar seus vetos à lei de royaties do petróleo, levando à judicialização do assunto. Como diz o senador Francisdo Dornelles, royalties são compensações aos estados produtores pelo desgaste da exploração, não são receitas tributárias a serem repartidas. Mas o angu está feito. E o que deveria ser melhor repartido, os recursos do FPE, não devem ter, já em 2014, uma regra nova. E a MP do setor elétrico deve ter esta semana uma votação conturbadíssima.
Agora Dilma faz um aceno pacificador aos governadores: deve editar MP trocando o IGP-DI pelo IPCA na correção das dívidas estaduais, um pleito antigo.
Sarney no Planalto. A presidência interina do senador José Sarney, entre quinta-feira e hoje, foi muito lembrada pelo cenário econômico negativo, marcado pela hiperinflação deixada pela ditadura. A fidelidade histórica manda lembrar que seu governo assegurou o avanço da transição democrática, deu início ao desmonte do entulho autoritário, convocou a Constituinte e deu posse ao primeiro presidente eleito.
Fonte: Correio Braziliense
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