Os arrufos recentes entre Poderes da República Federativa do Brasil devem ser encarados como parte indispensável do processo democrático.
Para funcionarem como efetivos contrapesos uns dos outros, é preciso que haja conflito. Ruim seria se agissem em uníssono, sob o comando de um centro incontrastável.
Pode soar contraintuitivo, mas, na política, a harmonia nasce do atrito.
A efetiva autonomia do Legislativo, do Executivo e do Judiciário brasileiros está em teste desde que o Supremo Tribunal Federal, liderado por Joaquim Barbosa, decidiu assumir protagonismo inédito no julgamento do mensalão.
Ao condenar personagens ligados ao partido que está na Presidência da República, os juízes demonstraram que, certos ou errados quanto ao mérito, julgaram com plenas garantias. Além do mais, na ação penal 470, o STF deu ressonância máxima à independência investigativa de outra instituição importante no presente arranjo constitucional: o Ministério Público.
Porém, do mesmo modo que é mister reconhecer a legitimidade das sentenças emanadas da Justiça, deve-se encarar como válida a inclinação do Congresso de questionar o alcance das decisões tomadas nos outros quadrantes da praça desenhada por Niemeyer. Tanto a defesa da soberania da Câmara, no que diz respeito à cassação de deputados, quanto a atitude do Congresso diante do veto da presidente Dilma aos royalties ajudam a equilibrar o móbile institucional.
Na primeira situação, a insurgência de Marco Maia serve para advertir os meritíssimos que, no outro vértice do triângulo, há um foco de resistência legal às suas determinações. Se Barbosa optasse por esticar a corda, mesmo à revelia da opinião dos pares, é bom existir força externa capaz de brecar a sua eventual vontade de fazer o bem pelas próprias mãos.
De maneira semelhante, na tentativa de derrubar a decisão de Dilma no assunto do petróleo e, depois, de contornar a determinação do STF de só fazê-lo após examinar milhares de outros atos engavetados, o Congresso exerce a quota de potência que lhe cabe. Também não importa, no caso, a quem assiste razão quanto à exploração petrolífera.
À sociedade interessa que os Poderes funcionem independentes uns dos outros porque é a única forma, como mostrou Montesquieu, de que eles se limitem respectivamente. A relativa fraqueza e incompletude de cada ramo estatal é condição para que a liberdade do conjunto seja preservada. Fragmentação e confronto são essenciais ao Estado de Direito, pois assim os impasses precisam ser resolvidos por meio do reconhecimento mútuo, o que gera a contenção do arbítrio.
André Singer, sociólogo e foi porta-voz de Lula
Fonte: Folha de S. Paulo
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