Tomemos o caso de Portugal. Por conta da má gestão financeira de governos sucessivos e da incúria na administração pública, Portugal quebrou. A receita imposta pelos alemães é dura. Muito dura. Aponto de alguns, como o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, estar advertindo para o desmantelamento do Estado social em seu país por conta das medidas de austeridade estabelecidas pela União Europeia.
Em que pese o eventual alarmismo da denúncia, o que se passa na Europa de hoje guarda relação com o que se deu no fim da Primeira Guerra Mundial. As sanções econômicas infligidas pelos aliados aos alemães resultaram em sentimentos que desembocaram no nazismo. Não creio que Portugal passará por fase semelhante à vivida pela Alemanha nos anos 20. Porém, o que ocorre no país é um imenso retrocesso que irá desembocar, fatalmente, em violência e desigualdade social.
O desemprego em Portugal subiu de 14,1% para 16,3%, de 2012 para janeiro de 2013. O que é mais dramático é a situação dos jovens: o desemprego entre adultos com menos de 25 anos é de aproximadamente 39%. Cinco pontos a mais do que em 2011. É evidente que Portugal não soube aproveitar a bonança propiciada pela Comunidade Europeia para gerar um modelo de desenvolvimento econômica e socialmente sustentável. O aumento das despesas públicas pressionou o endividamento, criando um ciclo vicioso que poderá levar o país a dever cada vez mais. Enquanto no Brasil a dívida líquida do setor público fechou 2012 em 35,1% do PIB, a dívida em Portugal ultrapassa os 120% do PIB.
Pior do que a realidade é a forma de enfrentá-la. Um misto de neoliberalismo econômico com fascismo social não é o melhor caminho. Não foi assim, por exemplo, que os Estados Unidos enfrentaram a Grande Depressão nem as crises subsequentes. Um traço comum foi estimular a economia. O Japão foi tratado no pós-guerra com um regime de estímulos. O assistencialismo americano e, depois, o intervencionismo estatal, mediante políticas industriais, fomentaram o milagre japonês. As duas "Alemanhas" também foram reunificadas à base de muito subsídio.
Não defendo que o caminho para a saída da crise seja mais descontrole de gastos e, sim, uma mirada mais atenta às questões sociais. Naturalmente, a fórmula para Portugal deve ser adequada ao país, assim como as que deveriam ser aplicadas na Irlanda ou na Grécia. Cada realidade impõe seu diagnóstico. Porém, o que importa são os valores que devem orientar as escolhas e prioridades de uma sociedade em crise.
Sacrificar as políticas sociais é contrariar a essência da existência dos governos, que é proteger os governados de violências internas e externas. O que acontece hoje na Europa é mais do que a destruição de sistemas sociais que deveriam ser adequados aos novos tempos. É uma ameaça ao sistema democrático, já que rebaixa a qualidade de quem vota. O preço pelo erro vai ser pago com a degradação da sociedade e a negação de um futuro melhor para uma imensa parcela da população dos países do sul da Europa.
Murillo de Aragão, cientista político e presidente da Arko Advice Pesquisas
Fonte: Brasil Econômico
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