Com Renan Calheiros na presidência do Senado e Henrique Alves na da Câmara, o PMDB se consolida no comando do Congresso e se fortalece na negociação para as eleições de 2014. Porém, assim como os novos presidentes das duas Casas, vários integrantes das duas Mesas Diretoras e líderes de bancada são investigados ou citados em escândalos. Ao chegar para tomar posse, Renan enfrentou protestos.
Tudo dominado
Com vitória de Henrique Alves, PMDB lidera Congresso e ocupa linha sucessória de Dilma
Isabel Braga, Cristiane Jungblut
BRASÍLIA - Favorito e com o apoio de 20 partidos, o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) foi eleito ontem novo presidente da Câmara dos Deputados com 271 votos, um placar que ficou aquém da vitória acachapante que os peemedebistas esperavam. Cacique do partido e com 11 mandatos como deputado federal, Alves venceu outros três candidatos no primeiro turno, mas com apenas 22 votos além dos 249 exigidos regimentalmente. Os peemedebistas apostavam em adesão de pelo menos 300 deputados. A avaliação foi que a traição partiu principalmente do PT, do PSD e até mesmo do PMDB.
Com a eleição de Henrique Alves, os três primeiros nomes dos quatro da linha sucessória da Presidência da República são políticos do PMDB: o vice-presidente, Michel Temer (SP); o presidente da Câmara, Henrique Alves (RN); e o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL). O quarto nome da linha sucessória é o presidente do Supremo Tribunal Federal.
Alves foi eleito mesmo depois de uma enxurrada de denúncias de irregularidades envolvendo apadrinhados políticos indicados por ele para cargos federais, além de suspeitas sobre seus mandatos, como o uso suspeito de emendas parlamentares ao Orçamento da União em favor de empresas de um assessor.
O dia da sua eleição começou com a tensão em torno de um dossiê apócrifo distribuído desde a madrugada de ontem pelos gabinetes de todos os deputados. O documento tem na capa uma foto do parlamentar de cabeça baixa, e a frase: "Candidato condenado no Rio Grande do Norte, com direitos políticos cassados e responde a vários processos". No conteúdo, há cópias da decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte que o condenou em primeira instância por improbidade administrativa, e cópias de reportagens com denúncias que o envolveram.
Nos discursos de ontem, Alves criticou a imprensa e avisou que sua gestão será de um Parlamento "altivo e palpitante". Ele apresentou ainda uma plataforma para agradar o público interno, como brigar pelo pagamento impositivo das emendas individuais, cuja cota hoje é de R$ 15 milhões por parlamentar, por ano.
Ignorando a vitória apertada e as denúncias contra ele, Alves afirmou que o importante foi vencer no primeiro turno. O peemedebista usou a tribuna antes e depois da eleição para dizer aos colegas que o Parlamento é o único Poder em que todos os integrantes são eleitos com o voto popular. No Executivo, com exceção da presidente da República, e no Judiciário, os integrantes são nomeados, frisou.
- O Poder que representa o povo brasileiro na sua mais sincera legitimidade, queiram ou não queiram, é esta Casa aqui. Não faltará a um ou a outro o nosso respeito, mas tanto um quanto outro não se esqueçam que aqui, nesta Casa, só tem parlamentar abençoado pelo voto popular. Vamos discutir e votar. Esse Parlamento não foi feito para discutir com a barriga, é para discutir e votar - disse o novo presidente da Câmara.
Votação de Júlio Delgado surpreendeu
Os três adversários de Henrique Alves obtiveram juntos 223 votos, quase metade dos 497 presentes. Três votos foram em branco. A votação expressiva, 165 votos, do deputado Júlio Delgado (MG), candidato oficial do PSB, também surpreendeu. Na Câmara, o PSB tem 27 deputados. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), atuou nos bastidores, especialmente junto ao pessoal do PSD de Gilberto Kassab e a nomes do PSDB. Muitos optaram por não votar em Henrique Alves para não fortalecer ainda mais o PMDB, que vai comandar as duas Casas.
Líder do PSB na Câmara, o deputado Beto Albuquerque (RS) afirmou que a vitória apertada é um sinal de que a Casa quer mudanças e novas práticas políticas:
- Para quem achava que ia ganhar de goleada, fazer um gol nos 50 minutos do segundo tempo não é um bom resultado. Os 226 mostram que a Casa quer mudança.
A peemedebista Rose de Freitas (ES), que se lançou como candidata avulsa, recebeu 47 votos. E o candidato do PSOL, Chico Alencar (RJ), 11 votos.
Em resposta às denúncias que pesam contra ele, Henrique Alves, ainda discursando como candidato, classificou-as como "labaredas" incapazes de destruir seus 42 anos de vida pública. Segundo ele, a imprensa só apresentou as denúncias às vésperas da eleição:
- Fui relator do pré-sal, do Minha Casa Minha Vida e nunca se disse uma vírgula de mim, nunca se opôs uma palavra. Agora, no mês eleitoral, de repente redescobriram o Henrique. Cada um aqui (dos deputados presentes) sabe o que eu digo. Tentaram refazer o Henrique, inventar o Henrique. Apareceu isso, aquilo. Mas digo: são labaredas que não chamuscam o alicerce de uma vida inteira que construí.
Já como presidente eleito, o peemedebista não voltou a falar nas denúncias. Defendeu uma pauta propositiva, e disse que é do tempo em que a Câmara se impunha pelos debates e melhores valores.
- Vivi tudo isso e vivi também tempos como hoje, quando é fácil ter arroubos de se bancar o valentão ou destemido. Mas é preciso coragem para não sucumbir, para resistir. Atravessei esse tempo e chego inteiro para ser presidente da Câmara. Esta Casa dá-nos força interior. Por mais que haja má vontade aqui e acolá, jogos perversos em relação ao Legislativo aqui e acolá, críticas absurdas e descabidas à atividade parlamentar.
O novo presidente da Câmara listou aos colegas suas promessas de campanha: empenhar-se para aprovar o orçamento participativo para as emendas parlamentares individuais, o que obrigaria o Executivo a pagar as emendas sem que deputados tenham que implorar por isso; distribuição mais equitativa de relatorias de medidas provisórias; modificação da cobertura da TV Câmara para mostrar que os deputados trabalham muito, inclusive nos finais de semana, percorrendo suas bases eleitorais nos estados; além de uma pauta de debates importantes, incluindo a votação do pacto federativo.
Referências ao pai e a Ulysses Guimarães
Antes da eleição, Henrique Alves tentou se diferenciar dos concorrentes que se apresentavam como candidatos éticos e da mudança. Criticou o voto de traição, contra orientação partidária, e pediu aos deputados o voto coerente. No final do discurso, fez referência ao pai, Aluízio Alves, cassado pela ditadura, e Ulysses Guimarães, que classificou como padrinho político:
- Se eu me sentar naquela cadeira (da presidência da Câmara), vou honrar o Parlamento.
Candidato do PSB de Eduardo Campos, o deputado Júlio Delgado fez um duro discurso contra o desgaste do Poder Legislativo junto à opinião pública:
- Temos que vencer as práticas políticas que envergonham o Parlamento. Meu sentimento é de vencer a politicagem no Parlamento. Podemos construir um Parlamento altivo e das grandes causas, e não das pequenas causas.
Em seguida, Chico Alencar também atacou as atuais práticas:
- O Parlamento do Brasil está mal, assim como os partidos políticos.
Logo depois do resultado da eleição na Câmara, foi tornado público que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou denúncia no último dia 28 ao Supremo Tribunal Federal (STF) por crime eleitoral contra Júlio Delgado. Segundo Gurgel, na última campanha para deputado federal, Delgado exibiu propaganda eleitoral no site da campanha no dia da eleição, uma prática proibida por lei.
Fonte: O Globo
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