A nova formatação das Mesas da Câmara e do Senado, definida no fim de semana, vai exigir da presidente Dilma Rousseff mais negociação com deputados e senadores. É certo que tanto Renan Calheiros quanto Henrique Eduardo Alves, respectivamente, assumem as presidências das duas Casas fracos em virtude das acusações de malfeitos feitas contra eles no período que antecedeu as eleições. Mas as pressões e interesses em jogo, no último biênio do mandato de Dilma Rousseff, vão muito além do PMDB, e podem ter reflexos sobre a economia e a atividade empresarial.
Segundo o Palácio do Planalto, a agenda do governo federal para 2013 tem poucas propostas de interesse efetivo da presidente: assegurar os royalties do petróleo para a educação e o novo Código de Mineração, ainda em gestação na Casa Civil da Presidência mas já objeto de intensas pressões. Ocorre que o Congresso e o PMDB - em especial - têm interesse também na agenda que corre paralela a interesses econômicos empresariais, mas nem sempre do governo.
Este é o caso, por exemplo, da ampliação, para outros setores além daqueles já beneficiados pelo governo, da desoneração da folha de pagamentos. A medida do governo é válida até 2014. A tendência hoje no PMDB é retirar esse prazo e ampliar os setores beneficiados. Um prato cheio para quem pretende pressionar ou chantagear o governo federal. Os mesmos de sempre.
Líderes do PMDB estão fracos, mas natureza é a mesma
Outro exemplo é a unificação do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Contribuições, aliás, das quais a área do etanol, cujo poder de pressão no Congresso é forte, quer se ver livre - a gasolina aumentou na bomba, mas o preço do álcool continua o mesmo. Mudanças na área do etanol estão sendo estudadas pelo governo e também devem ser analisadas e votadas no Congresso. Dilma terá de negociar ainda questões federativas, entre as quais a revisão de índice das dívidas e os fundos de participação são apenas exemplos candentes.
Um outro fator de dificuldade para a presidente sobre o qual pouco se tem falado é o PT. A tendência Construindo um Novo Brasil (CNB, antiga Articulação), amplamente majoritária no partido, sente-se liberada a pressionar mais o governo, depois que um de seus integrantes, Marco Maia (RS), deixou a presidência da Câmara. O próprio Maia tinha dificuldades para encaminhar pleitos da CNB ao governo, e ser acusado de beneficiar uma das facções do PT. O apetite da corrente majoritária do PT é igual ou até maior que o do PMDB.
A CNB perdeu a presidência da Câmara, mas ganhou a primeira-vice-presidência do Senado, com Jorge Viana (AC), e a primeira-vice da Câmara, com o deputado André Vargas (PR). O deputado paranaense, aliás, logo pode ocasionar problemas para Dilma, pois pensa em tocar na Câmara a proposta de regulamentação dos meios de comunicação, projeto que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou pronto para ser enviado ao Congresso, mas o atual governo engavetou. Até agora, pelo menos. A CNB também fez os dois líderes de bancada.
Mesmo com presidentes tendo de se explicar sobre acusações diversas, o fato de o PMDB passar a comandar o Congresso incomoda, e muito, o PT. Não é à toa que Lula esteja fazendo cafuné no governador de Pernambuco e presidente nacional do PSB, Eduardo Campos, sugerindo inclusive seu nome para a vice de Dilma na chapa da reeleição. Não deixa de ser uma forma de manter o PMDB sob pressão.
Havia no governo e no PT uma certa torcida para que a eleição da Câmara fosse para o segundo turno, para Henrique Alves não se sentir muito forte. Mas Alves ganhou no primeiro turno com 271 votos. Mais que Henrique Alves incomoda a presidente a eleição de Eduardo Cunha (RJ) para líder do PMDB. Alves e Cunha sempre foram muito próximos. Mas, próximo à eleição, Alves aparentemente se afastou do aliado que poderia lhe tirar votos.
Em seu melhor estilo, Cunha ameaçou retaliar e orientar os deputados que lhe são fiéis, estimados em cerca de 40, a votar em peso na candidata dissidente do PMDB a presidente, Rose de Freitas (ES). Cunha teve 46 votos na eleição para líder. Ou seja, se todos acompanhassem sua improvável indicação contra a candidatura de Henrique Alves, a eleição teria ido para o segundo turno. Ninguém no Congresso é capaz de apostar num afastamento definitivo entre Alves e Cunha - passadas as eleições, acredita-se que eles podem voltar a articular às claras, como faziam até "Henriquinho", como é chamado, ser advertido por Michel Temer que a relação entre os dois só desgastava sua candidatura à Câmara junto à presidente da República.
A eleição da dupla não interessava à presidente Dilma Rousseff, que chegou a cogitar a alternativa de apoiar Renan na eleição para o governo de Alagoas, em 2014. Na Câmara, como é amplamente conhecido, a presidente tem especial dificuldade com o deputado Eduardo Cunha, também do PMDB, visto com desconfiança devido a sua atuação como relator de medidas provisórias importantes, como aquela que prorrogaria a CPMF, o "imposto do cheque", depois derrubada no Senado.
É provável que poucas vezes - ou nunca antes - uma eleição para as Mesas do Congresso tenha contado com tantos fiadores. O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, assegurou à presidente que Eduardo Cunha não seria um problema para seu governo, caso fosse eleito líder, como de fato ocorreu no domingo. O ex-presidente da República e do Senado, José Sarney, também comprometeu um fio do bigode por Renan Calheiros, enquanto o vice-presidente da República botou a mão no fogo por seu aliado Henrique Eduardo Alves.
Para se eleger presidente, Dilma não teve de negociar e assumir pessoalmente compromissos partidários, nem se envolver na arrecadação de campanha. Lula cuidou de tudo. O ex-presidente ainda será o estrategista da reeleição, mas Dilma também terá de negociar, inclusive com o "Congresso do PMDB", cujos líderes estão fragilizados, mas não perderam a natureza.
Fonte: Valor Econômico
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