O resultado fragmentado da eleição italiana, deixando indefinido o governo do país, derrubou as bolsas europeias. A Itália vive uma nova crise política no meio da velha crise econômica. Ontem, o governo italiano rolou ¬ 8,75 bi em títulos com vencimento em seis meses e pagou mais caro pelos empréstimos. Hoje, fará rolagem de títulos mais longos e ficará mais claro como as eleições afetaram a visão dos investidores.
A eleição foi uma clara rejeição à proposta de Mário Monti, que só teve 10% dos votos, mas não se pode dizer qual escolha o eleitor fez. O Senado fica com a coalizão de centro-direita, de Berlusconi; a Câmara Baixa, com a centro-esquerda, de Pier Luigi Bersani; e o voto de repúdio, do comediante Beppe Grillo, teve um quarto de todos os votos.
Se as duas Casas não estiverem de acordo, não se governa o país. Um governo instável não seguirá adiante no processo de reformas adotado por Mario Monti, que é o que tem o apoio dos líderes da Europa.
A dívida pública é crescente, subiu de 120% para 127% do PIB entre o terceiro trimestre de 2011 e o terceiro de 2012, último dado divulgado pela Eurostat. Isso quer dizer que o país precisa pedir dinheiro emprestado aos bancos para fechar as contas e ninguém confia em país com tal grau de fragmentação política.
A diferença entre a crise política atual na Itália e de outras vividas na zona do euro é que agora o mercado financeiro está ainda sob o calmante administrado pelo Banco Central Europeu, de Mario Draghi. Apesar disso, as bolsas despencaram, a de Milão, 5%. Os bancos italianos perderam mais. Draghi se comprometeu, no ano passado, a comprar títulos públicos de países que enfrentassem desconfiança dos investidores. Os italianos têm esse paraquedas monetário, que pode atenuar a elevação do custo da dívida. Os títulos com vencimento de 10 anos subiram muito nos últimos dias, mas de acordo com a consultoria inglesa Capital Economics, a intervenção do BCE deve impedir que os juros cheguem a 7%, uma taxa que praticamente inviabilizaria captações. Hoje, elas estão na casa de 4,9%.
Para a região, no entanto, a falta de definição na Itália complica bastante o cenário. A Itália é a terceira maior economia da zona do euro, atrás apenas de Alemanha e França. Tem um PIB de US$ 2 trilhões. E há, nos próximos meses, muitas definições a serem feiras na região, como a união bancária.
O mau humor dos eleitores com o primeiro-ministro, Mario Monti, é fácil de ser explicado pela economia: seis trimestres consecutivos de retração econômica. No quarto trimestre de 2012, o PIB encolheu 0,9% sobre o terceiro, e estava 2,7% menor que o do mesmo período de 2011. O desemprego ao longo do ano subiu de 9,5% para 11,2%. Entre jovens com menos de 25 anos, a taxa chega a 36%, a quarta maior da zona do euro.
Para a economia mundial, a volta da incerteza na zona do euro é ruim. O ano de 2013 vinha sendo marcado, até aqui, pela ausência de más notícias da Europa. Pior do que as bolsas caírem é aumentar a desconfiança dos empresários e dos consumidores.
Mario Monti está no poder desde 2011. Desde então, realizou uma série de cortes de gastos e aumento de impostos para tentar reorganizar as finanças públicas. Essas reformas, ao lado da disposição do BCE de comprar títulos públicos, é que servirão de escudo para a Itália enfrentar o período de turbulência até a formação de um novo governo estável.
Mas, além da economia, o que vale refletir é o que os italianos disseram com esta eleição. Estão aparecendo em vários países do mundo sinais de fadiga com a forma tradicional de representação política. É por isso que um movimento como o de Beppe Grillo, criado para contestar os políticos tradicionais, vira um fenômeno que chega a 25% dos votos.
A Itália, depois da Operação Mãos Limpas, passou por uma reforma política - como a que alguns prescrevem para o Brasil - que mudou o sistema proporcional, numa tentativa de permitir a renovação. Enfraqueceu-se a Democracia Cristã, que era o objetivo, mas o melhor fruto dessa "renovação" é o grotesco Silvio Berlusconi, que volta a ter poder. O movimento "ocupe", a adesão de 1,5 milhão de assinaturas a um protesto online contra o presidente do Senado brasileiro, Renan Calheiros, e outras surpresas espontâneas que têm acontecido em diversos países deveriam alertar os políticos que a crise não é só econômica.
Fonte: O Globo
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