O ex-deputado Augusto Farias costuma caminhar pela praia de Pajuçara, em Maceió, na companhia de um segurança. Não chama atenção nem é incomodado. Voltou aos jornais nesta semana como testemunha de defesa dos seguranças de seu irmão, Paulo César Farias, morto numa casa de praia em Maceió.
Na denúncia, o procurador não conseguiu apontar os autores intelectual e material do crime e levou ao banco dos réus do tribunal do júri quatro ex-seguranças acusados de omissão.
Os réus são policiais militares e participam do julgamento fardados. Dois deles ainda trabalham para a família Farias. Foram arrolados porque, estando na cena do crime, o viram e não agiram para evitá-lo ou não querem contar o que viram.
O que explica a indiferença relativa ao júri de PC Farias
Augusto Farias acumulou mandatos de deputado federal até a legislatura passada e, com eles, conseguiu foro privilegiado. É alvo de inquérito por trabalho escravo em fazenda de sua propriedade e foi indiciado pela CPI do Narcotráfico por formação de quadrilha.
O inquérito que o denunciava pela morte do irmão foi arquivado pelo então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, por falta de provas.
Impune há 17 anos, o assassinato de PC Farias em sua casa na praia de Guaxuma, em Maceió, deixou de ser assunto de mesa de bar na cidade há muito tempo e pouco interesse desperta no resto do país.
Ao longo destes anos, legistas, delegados, promotores, juízes e jornalistas debateram-se sobre a altura da namorada de PC Farias, encontrada morta na mesma cama, os vestígios deixados em suas mãos, a queima do colchão e a trajetória das balas que atingiram o empresário.
O principal legista a atestar a tese do suicídio foi desacreditado pela CPI do Narcotráfico. Dele se conheciam os relatórios favoráveis a policiais dos massacres do Carandiru e de Eldorado dos Carajás, mas a CPI foi além e descobriu entre seus principais clientes uma máfia de narcotraficantes.
O júri que se desenrola hoje em Maceió não chegará aos culpados, mas sua convocação já atesta o descrédito da tese do suicídio. Foi a partir da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, de negar recurso aos réus que se marcou o júri.
A indiferença em relação ao julgamento explica por que debates aparentemente tão díspares quanto o da violência ou do financiamento de campanha giram em círculos e pouco avançam.
Em 1996, quando ocorreu o crime, Alagoas tinha um índice de homicídios abaixo da média nacional. Hoje o Estado lidera as estatísticas. Mata-se, proporcionalmente, mais em Alagoas (66,8 homicídios por 100 mil habitantes) do que no Iraque (64,8) no auge da guerra. Não há conflito armado que ombreie com Maceió (100,7). O noticiário local dá conta de uma madrugada desta semana com nove assassinatos na região metropolitana.
A violência em Alagoas deriva do crack, como no resto do país. O que vincula a explosão da violência ao assassinato de PC Farias é a impunidade. A violência se expande num ambiente em que a população é dissuadida pelo poder do crime organizado a denunciar os crimes que a cercam. E não apenas em Alagoas.
A indiferença em relação ao que se passa no fórum do Barro Duro também prenuncia pouco avanço na discussão do financiamento de campanha. PC Farias comandou a máquina arrecadadora de uma das campanhas eleitorais mais fulminantes da história. O sucesso de sua missão nos gabinetes mais endinheirados do país financiou a ascensão do governador de um Estado com 1,4% do eleitorado nacional, filiado a um partido minúsculo, à Presidência da República.
O deputado federal alagoano Cleto Falcão, morto em 2011, chegou a relacionar a morte de PC Farias às sobras da campanha presidencial. Integrante da tropa de choque de Fernando Collor que depois romperia com o ex-presidente e votaria pelo impeachment, Falcão contou, em entrevista gravada, como funcionava a tabela de PC Farias: com US$ 1 milhão o empresário poderia ser ouvido. Com US$ 2 milhões, conseguiria opinar. Se o doador comparecesse com US$ 3 milhões, poderia indicar.
Das sobras saiu o Fiat Elba que ajudou a derrubar Collor, mas o grosso do dinheiro que teria ficado em mãos do empresário morto passou a ser alvo da cobiça do grupo apeado do poder. Com prisão decretada, PC Farias fugiu para o exterior, mas foi capturado na Tailândia e passou dois anos na cadeia. Estava preso quando a mulher morreu de um ataque cardíaco.
Elma Farias seria a primeira morte de cinco relacionadas ao grupo mais próximo do ex-presidente. Depois de Elma, morreram os irmãos de Collor, Pedro e Leopoldo, além de Falcão e do seu advogado, José Guilherme Vilela, assassinado junto com a mulher e a empregada da família em casa.
Há seis anos de volta à política como senador, Fernando Collor aliou-se ao governo petista e negocia uma chapa que lhe dê mais oito anos no cargo em 2014. Virou um personagem marginal na política e protagoniza gestos histriônicos como o de rasgar, nesta semana, em plena sessão no Senado, relatório do Dnit sobre a situação nas estradas.
Pouco mudou nas regras e, principalmente, na fiscalização das contribuições de campanhas eleitorais desde a morte do tesoureiro de Collor. A proposta de reforma política que está na praça não diz como o funcionamento público seria capaz de inibir o caixa 2 e, muito menos, a influência dessas doações ocultas nas políticas de governo.
O mesmo Joaquim Barbosa que convocou o júri do assassinato de Paulo César Farias presidiu o julgamento do mensalão, a maior chance já havida até hoje na política brasileira de se reformarem as relações entre o poder e seus financiadores.
Depois da guerra dos embargos estará encerrado o mensalão. E não há sinais de que a traficância de interesses no poder tenha passado por grande transformação. O fato de o financiamento privado do valerioduto ter ficado fora do julgamento pode explicar alguma coisa. Mas até a morte de PC Farias parece um crime mais fácil de ser elucidado do que este.
Fonte: Valor Econômico
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