Os sinais de desgaste da popularidade e do favoritismo da presidente Dilma Rousseff por efeitos da inflação, do arrefecimento do consumo e de preocupações geradas por indicadores negativos da economia, já percebidos a partir do início de maio pelo Palácio do Planalto e pelo estado-maior da campanha reeleitoral e confirmados na recente pesquisa do Datafolha, explicam a verdadeira guinada que começou a ser aceita e justificada por ambos em relação à política monetária e para o reforço da aposta nas concessões na infraestrutura a investidores privados, sobretudo estrangeiros. Com o sacrifício de uma bandeira que a própria presidente havia preparado e antecipado: a dos juros baixos do seu governo (combinada com a da ampliação do papel dos bancos públicos no sistema financeiro). E com o descarte, completo, da retórica lulopetista de demonização das privatizações promovidas nos governos FHC (e bem utilizadas pelas administrações tucanas dos estados de São Paulo e Minas Gerais); quando o Executivo dilmista partiu para refazer, várias vezes, os critérios de concessões e PPPs para tentar viabilizá-las rendendo-se às regras de mercado. Paralelamente, o governo fez ou está fazendo outra inflexão política, para se aproximar das atividades dos produtores agrícolas: esvaziando o peso da direção esquerdista da Funai na demarcação de terras reivindicadas por grupos indígenas. Além do empenho oficial pela reforma, positiva, do sistema portuário, quase inviabilizada pelo precário e tortuoso relacionamento do Executivo com o Congresso.
Mas a guinada, pragmática, imposta pela realidade da economia, que forçou a mudança da política monetária e o recuo do forte dirigismo estatal nos processos de privatização de empreendimentos de infraestrutura, essa guinada não se estendeu ao tratamento da causa central, básica, do frustrante desempenho da economia e do horizonte negativo que ela tem à frente: o aumento dos gastos públicos, que se intensifica com maior drenagem de verbas para despesas de custeio e para ações assistencialistas, diretas ou por meio de desonerações e subsídios de alto custo fiscal. Aumento que gera outra distorção igualmente grave e usada para mascará-lo: a crescente deterioração do manejo das contas públicas, responsável maior pela erosão da credibilidade, interna e externa, de nossa economia.
Quanto à continuada expansão desses gastos, ninguém melhor para avaliar seus malefícios que Delfim Netto (a quem se atribui ou atribuía a função de um dos conselheiros da presidente Dilma), como o fez numa entrevista ao Estadão, de domingo último, em reportagem intitulada “Sem ajuste fiscal, taxa de juros vai a dois dígitos”. Trechos da entrevista: “O Banco Central (BC) terá de elevar os juros para uma taxa de dois dígitos para combater a inflação, caso o governo não contribua com um ajuste fiscal (redução dos gastos públicos), afirmou o ex-ministro da Fazenda e do Planejamento, Antonio Delfim Netto. ‘Se deixar tudo (o combate à inflação) na mão do BC, e se ele for cumprir o seu papel, isso vai gerar uma recessão muito mais profunda do que em qualquer outra condição’ – disse Delfim”. “Para ele, a presidente Dilma Rousseff deveria buscar o déficit nominal zero (ou seja, uma economia para pagar todas as despesas do governo, incluindo os juros da dívida), pois um controle rigoroso das contas públicas é fundamental para restaurar a credibilidade da política econômica”.
A retomada por Delfim do déficit nominal zero (base de proposta articulada no início da segunda metade do primeiro governo Lula por ele e pelo então ministro da Fazenda Antonio Palocci, e em seguida rejeitada como “rudimentar” pela sucessora de José Dirceu na Casa Civil, Dilma Rousseff) conta, porém, agora, com menos possibilidade ainda de acolhimento por chocar-se com a dinâmica de persistência e ampliação do assistencialismo, grande prioridade da campanha reeleitoral da presidente. Dinâmica que agrava o cenário de “Inquietante deterioração das contas públicas”, tema de editorial (com este título) do Valor, de anteontem. Trecho da matéria: “O Tesouro Nacional está antecipando receitas e adiando despesas – tal como um prefeito, quando ainda podia, resolvia suas demandas com operações de Antecipação de Receitas Orçamentárias (ARO) – sem qualquer preocupação com transparência. Não se tem indicação de quanto pesarão nos orçamentos futuros os compromissos que estão sendo assumidos agora, sejam com as concessões de subsídios ou com emissões de títulos da dívida pública”.
Jarbas de Holanda é jornalista
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