A semana começou com seis medidas provisórias obstruindo a pauta de votações da Câmara dos Deputados. Três delas ainda estavam nas comissões mistas encarregadas de aprovar os pareceres. Já as votações no Senado estavam sobrestadas por uma MP.
Os dados, do dia 10, constavam do mapa por meio do qual a Secretaria-Geral da Câmara acompanha o fluxo das MPs, apelidado de "tranca-tranca". É um relógio que não para: a próxima a barrar a fila de votações (22 de junho) é a MP 613, que institui crédito presumido da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na venda de álcool. Depois, vêm as de número 614 (29 de junho), 615 (4 de julho), 616 (15 de julho), 617 (idem), 618 (4 de agosto) e 619 (5 de agosto).
A fila andou e no dia seguinte a Câmara aprovou a 609, que tratava da isenção dos itens da cesta básica do PIS/Pasep e da Cofins. Ela incorporou o texto da 605, dando garantias à redução das tarifas de energia, que havia perdido a eficácia. Foi inédito. A praxe é MP incorporar o texto de outra prestes a caducar, mas ainda dentro da validade. Prevendo contestações, o secretário-geral, Mozart Viana, levou para a sessão um estudo para defender o precedente.
Mapa com fluxo das MPs é relógio que não para
Mozart está sempre no caminho das MPs, desde sua criação, pela Constituição de 1988. Técnico do grupo de apoio à Assembleia Constituinte, lembra que o instrumento foi criado na primeira versão da Carta, que previa regime parlamentarista de governo. Como prevaleceu o presidencialismo, houve dúvidas entre manter ou não a MP. A decisão foi criá-la para casos de extrema relevância e urgência.
Desde então, as MPs trouxeram problemas ao Congresso. Ou, na expressão do líder do PSDB do Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), "balbúrdia legislativa". Houve algumas mudanças na tramitação, por emenda constitucional, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) ou por simples interpretação do presidente da Câmara. Mas cada alteração gerava novo problema.
A Câmara agora tem em mãos oportunidade de mudança mais significativa no rito das MP, com o aval dado pela presidente Dilma Rousseff à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 70, aprovada por unanimidade no Senado, em 2011. O governo vinha barrando o andamento na Câmara, mas a crise causada pela MP dos Portos e o desgaste do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para aprová-la em algumas horas deixaram patente a necessidade de mudar.
A PEC, de autoria do senador José Sarney (PMDB-AP), e relatada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), pode aliviar o fluxo do "tranca-tranca", na opinião de Mozart. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), assinou o ato criando a comissão que vai examinar o mérito da PEC. A fase é de indicação dos integrantes pelos líderes partidários. É o primeiro passo para tirá-la da gaveta.
Os tropeços das MPs apareceram na criação, que não fixou limites à reedição e prazo para votação. De 2000 a 2001, 19 MPs foram reeditadas mais de 80 vezes (o recorde é da MP 2096, de 2001, reeditada 89 vezes).
Em 2001, após 11 anos de discussão, emenda constitucional vedou a reedição e instituiu o trancamento da pauta. Aécio era presidente da Câmara e Mozart, secretário-geral. Ele ocupava o mesmo cargo quando o então presidente Michel Temer adotou decisão que abriu brechas para votar algumas matérias, mesmo com a pauta trancada por MP.
Em curto período no Senado, Mozart assessorou Aécio na relatoria da PEC 70. Entre as inovações, a proposta fixa prazos para tramitação em cada Casa (80 dias na Câmara, 30 no Senado e outros dez para a Câmara examinar emendas de senadores). A comissão mista deixa de existir e a análise da admissibilidade é feita pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) de cada Casa.
Mozart destaca a importância de outra mudança: a vedação de reedição de "matéria" constante de medida provisória rejeitada ou que tenha perdido a eficácia na mesma sessão legislativa. O objetivo é evitar que parte de MP seja mudada para possibilitar a reedição, como acontece hoje.
Aloysio Nunes aponta a banalização das medidas provisórias, editadas sem urgência ou relevância e com matérias desconexas, o que é vedado pelo projeto de lei complementar 95/1998.
"Estamos caminhando para um verdadeiro naufrágio legislativo, pelo abuso das medidas provisórias e pelo descaso com que o Congresso vem assumindo sua tarefa de legislar", afirmou em 28 de maio, na votação da MP 600, que tratava da ampliação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) e de 18 temas diferentes - para o tucano, mistura de "alhos com bugalhos".
Levantamento da liderança do PSDB no Senado mostra que, de 23 MPs tramitação na época (da 590 à 612), oito perderam a eficácia, colocando em xeque a suposta urgência e relevância exigidas pela Constituição.
O líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE), que tem a função de acompanhar a tramitação das MPs, diz que a aprovação da PEC 70 é uma "necessidade" do Legislativo e não divide oposição e governo. Para ele, o maior problema está na fase das comissões. "Dos 120 dias de validade, a MP passa, em média 82 na comissão mista", afirma. A MP dos Portos ficou cem dias na comissão, 20 dias na Câmara e oito horas no Senado.
O pouco tempo do Senado é uma das principais queixas dos senadores, como o petista Walter Pinheiro (BA), um dos primeiros a apontar o problema na atual legislatura. "Isso desqualifica o processo legislativo", diz. Ele defende melhor definição de quais matérias podem ser tratadas por MP. A reforma do ICMS, por exemplo, acha que deveria ser feita por lei complementar.
Apesar do aval de Dilma e do apoio de senadores petistas, há dúvidas sobre a chancela da base governista na Câmara a parecer assinado pelo principal candidato da oposição a presidente em 2014. Sem boa negociação, eventuais mudanças no texto podem gerar novos gargalos ao processo legislativo.
Fonte: Valor Econômico
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