Desindexar o salário foi opção levantada nos bastidores da Fazenda, mas combatida pela impopularidade
Gabriela Valente, Martha Beck
BRASÍLIA - Mesmo com menos fôlego, a inflação ainda aflige o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que pediu à sua equipe sugestões de novas medidas para domar o problema. O secretário de Política Econômica, Márcio Holland, é o encarregado de propor ações e já levou algumas ao chefe. Uma delas é polêmica, especialmente às vésperas de um ano eleitoral, mas conta com apoio cada vez maior na Fazenda e no Banco Central: mexer na correção do salário mínimo.
Num governo do Partido dos Trabalhadores, ninguém vocaliza publicamente que a fórmula que garantiu ganhos reais à população nos últimos anos é uma pedra no caminho do combate à inflação. Mas técnicos afirmam nos bastidores que seria mais fácil conter a alta dos preços sem ela. A lei brasileira prevê que o rendimento básico da população seja reajustado pela variação do INPC (Índice Nacional de Preço ao Consumidor) do ano anterior e pelo crescimento da economia dois anos anteriores. A regra vigora até 2015.
O problema é que ela contribui para agravar a chamada inflação inercial, que ocorre quando a alta de preços do passado é usada para corrigir valores no futuro. Isso gera um efeito em cascata difícil de conter. Além disso, como boa parte dos beneficiários do INSS recebe o salário mínimo, a situação do governo fica ainda pior tanto do ponto de vista inflacionário quanto de controle dos gastos públicos.
- Esse é um dos piores tipos de indexação porque, além da inflação, leva em consideração o crescimento do passado num momento em que o país pode nem estar crescendo mais - garante um técnico.
Não é hora de mexer no mínimo
Os técnicos da equipe econômica lembram que a indexação é um problema que se agrava quando a inflação gira muito próxima do teto da meta fixada para o ano, de 6,5%. O IPCA, índice que baliza as metas de inflação do governo, acumulado em 12 meses até junho chegou a 6,7%. Segundo eles, quando os agentes econômicos veem uma resistência na inflação, eles começam a querer se proteger da alta dos preços e a transferir automaticamente para produtos e serviços as perdas provocadas pela inflação passada.
Os defensores da regra do salário mínimo alegam que esse não é o momento de tratar do assunto, pois, em 2014, a fórmula será favorável para as contas públicas. Como a economia cresceu apenas 0,9% em 2012, o impacto será menor que nos últimos anos. Segundo o Dieese, 45,5 milhões de brasileiros têm rendimento referenciado no salário mínimo. Somente em 2013, o incremento da renda em função da correção dada por lei foi de 9%.
- Não vivemos uma inflação de demanda, mas de inércia. Tem de mexer na regra do mínimo, porque essa indexação é inviável, mas é impossível fazer isso antes das eleições - avalia o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas.
Mantega sabe dos riscos políticos e, por isso, resiste à ideia de pôr o assunto em discussão. Procurado pelo GLOBO, informou por meio de sua assessoria que isso não está sendo cogitado.
Mas ele quer que a Fazenda ajude o BC a segurar a alta de preços. Os técnicos da pasta trabalham em outras frentes, como a redução do imposto de importação de insumos como aço, fertilizantes e produtos químicos. O tributo de algumas matérias-primas, como aço, foi elevado no ano passado para proteger o mercado brasileiro. A queda da moeda americana, na época, tornava os importados mais competitivos que os nacionais. Agora, no entanto, o Fed (BC americano) sinaliza que vai subir juros, o que deixou o dólar mais forte.
Choque de gestão
O Ministério da Fazenda avalia que já ajudou o BC no combate à inflação. Reduziu impostos sobre tarifas de serviços públicos e negociou com prefeitos o adiamento do reajuste das passagens de ônibus. Isso sem falar no corte adicional de R$ 10 bilhões no Orçamento para ajudar a realizar o superávit primário de 2,3% de PIB em 2013.
No entanto, Mantega quer fazer mais e acabar com a imagem de que o Ministério da Fazenda é menos preocupado com a alta dos preços do que o BC. A pasta vem sendo cobrada a dar um passo adiante:
- Se eu fosse assessor do Mantega, proporia um choque de gestão para recuperar a credibilidade. Precisamos não só cortar despesas, mas melhorar a eficiência dos serviços públicos - afirmou o economista do Banco Espírito Santo Flávio Serrano.
Outra cartada da Fazenda poderia ser atacar o dólar caro. Analistas defendem que o governo zere a cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras sobre a tomada de empréstimos no exterior com prazos inferiores a um ano. Num momento de alta de juros, a liberação poderia atrair capital, diminuir a cotação do dólar e baratear os importados.
Fonte: O Globo
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