Havia escrito artigo em que analisava as chamadas reformas para mostrar que os empreendimentos humanos sempre admitem reformas ou que outro nome recebam, dado que nunca são perfeitos; é natural que se corrija o corrigível para aperfeiçoar e não para piorar, o que é óbvio, e o que escrevi a respeito era exatamente isto, procurei mostrar que algumas medidas anunciadas como aprovadas pelo Congresso chegavam a ser ineptas, ineptas no sentido jurídico, que nada tem de ofensivo, por dizer apenas que não são aptas a corrigir um defeito ou suprir uma deficiência.
Mas acabando de ler o que o Papa proferira no Teatro Municipal do Rio endereçado a políticos e empresários ou para dirigentes como também ele disse, devo dizer que a passagem de Sua Santidade pelo Brasil, a meu juízo extraordinária, rica em termos espirituais e sem esquecer questões profanas, cada qual de maneira adequada; basta dizer que ele não deixou de enfrentar o mundo da política, talvez o mais profano, porque a um tempo agrupa todas as grandezas e misérias de que o homem é capaz e o papa Francisco, como se autodenominou, pediu a reabilitação da política.
Desde estudante até o dia em que vesti a toga de juiz, exerci atividade política inclusive partidária, ou seja, de 1945 a 1989, durante mais de 40 anos, frequentei o mundo cuja reabilitação é pedida pelo Papa; nessa longa peregrinação tive a fortuna de privar com as melhores figuras que me foi dado conhecer e outras que comporiam o polo contrário; pensei de imediato na importância da sentença de alguém como o Papa em relação a um setor da vida brasileira que deveria ser o mais qualificado da sociedade.
Seja por esta, seja por aquela razão, a verdade é que todas as opiniões têm curso nesse setor, e o mais raro é o que permanecesse na linha média, nem das excelências, nem das fraquezas, razão pela qual me parece que de ordinário é um setor malvisto e mal compreendido e, por conseguinte, também mal apreciado.
De modo que, ao ler o que dissera o papa Francisco a respeito da reabilitação da política, senti mais uma vez a marca da profundidade da observação papal ante a singeleza da palavra reabilitação. Reabilitação diz muito, mais do que parece. Desde que conheci a Raul Pilla, nele vi um homem cuja vida pública, política, funcional, profissional e pessoal formavam uma unidade. Mostrou mais de uma vez sua capacidade de transigir, de ceder, de contemporizar, mas mantendo-se sempre fiel ao norte fixado.
Ao ser promulgada a Constituição de 1946, o centro acadêmico dos universitários da então Universidade de Porto Alegre, hoje do Rio Grande do Sul, prestou uma homenagem a dois constituintes professores da universidade: um da Faculdade de Direito, Elói José da Rocha, outro da Faculdade de Medicina, Raul Pilla.
No discurso que este proferiu agradecendo a homenagem, ele disse: É a política ao mesmo tempo a mais bela e a mais feia, a mais nobre e a mais desprezível das atividades humanas, tanto mais desprezível e feia nas suas deformações, quanto mais nobre e bela na sua pureza originária. Porque, se ela se pode definir a arte do bem comum, converte-se na arte do mal supremo, quando se deixa tomar da paixão do poder e esquece os seus altos objetivos.
Tenho para mim que a denominada classe política com ou sem razão decente, desfruta de mau conceito; é verdade que a função dos parlamentos tradicionalmente é vista com malquerença, mas hoje esta nota está agravada, o que me faz pensar que nunca foi tão oportuna a súplica papal quanto à reabilitação da política. É um trabalho a ser feito, à maneira de Tácito, sine ira et studio.
Jurista e ex-ministro aposentado do STF
Fonte: Zero Hora (RS)
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