Mesmo antes das manifestações de junho, a rota do governo federal vinha sendo ajustada para tornar-se mais conservadora. Na economia, o nacional-desenvolvimentismo já havia sido abalado pelo surto de autonomia do BC nos juros.
Na política, um acúmulo de reveses e escaramuças com aliados tornara embaçado o trâmite de toda proposta reformista do Planalto. A presidente perdeu iniciativa parlamentar, com seu poder de veto ameaçado pela maioria legislativa.
O saldo dos protestos, associado a sinais recentes de mais fraquejo na atividade econômica, tende a reforçar a opção pela transição conservadora até a eleição do ano que vem. O trauma com o fracasso da iniciativa plebiscitária ajudará o governo a assimilar essa lição.
Enquanto o PT faz "mise-en-scène" para exercitar o figurino esquerdista, o ex-presidente Lula sabe que precisa reconquistar interlocução e credibilidade na direção oposta. Empresários, banqueiros, a velha classe média e vastos contingentes populares de regiões menos dependentes de recurso estatal passaram a enxergar alternativa de poder em outras freguesias.
Há ingenuidade na discussão sobre o retorno de Lula como candidato em 2014. Voltar nessas condições seria flertar com a derrota ou, na melhor hipótese, com um governo fraco e acossado por todos os flancos no quadriênio seguinte.
O papel de Lula será o de costurar o retorno de sua criatura ao convívio tolerável, quiçá amigável, com o centro e a direita. Agirá para que, num possível duelo com Marina Silva --ou até Aécio Neves--, Dilma Rousseff volte a significar voto de segurança.
Espere-se, portanto, um avanço do governo na agenda conservadora --na economia, na política, nos costumes-- ao longo dos próximos 15 meses. A segunda versão, embora não explícita, da Carta ao Povo Brasileiro está sendo elaborada pelo signatário da original.
Fonte: Folha de S. Paulo
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