Ao falar pela primeira vez da crise no Itamaraty, a presidente Dilma reagiu a declarações do diplomata Eduardo Saboia, que comparara a situação do senador boliviano Roger Molina à de um preso político. "É tão distante o DOI-Codi da embaixada brasileira em La Paz como é distante o céu do inferno”, retrucou ela. A presidente ontem cancelou a nomeação do ex-embaixador na Bolívia para posto da Suécia
Dilma critica diplomata
Presidente rejeita comparação com DOI-Codi e diz que operação pôs em risco a vida de boliviano
Paulo Celso Pereira, Eliane Oliveira, Maria Lima e Júnia Gama
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff se pronunciou ontem pela primeira vez sobre a operação que trouxe o senador boliviano Roger Pinto Molina ao Brasil. Em tom grave, criticou duramente a decisão tomada pelo encarregado de negócios brasileiros na Bolívia, Eduardo Saboia, que saiu de La Paz com Molina e foi até Corumbá de carro, em um trajeto de 22 horas. Ex-presa política durante a ditadura militar, a presidente rechaçou categoricamente a comparação, feita pelo diplomata, de que a situação de Molina, retido há 455 dias na embaixada, era semelhante à de um preso no DOI-Codi. O Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna foi um dos mais cruéis centros de repressão da ditadura brasileira.
- Nós não estamos em situação de exceção, não há nenhuma similaridade. Eu estive no DOI-Codi, eu sei o que é o DOI-Codi. E asseguro a vocês: é tão distante o DOI-Codi da embaixada brasileira lá em La Paz como é distante o céu do inferno. Literalmente isso - afirmou Dilma, criticando o risco que o senador boliviano teria sofrido durante a fuga. - Não tem nenhum fundamento acreditar que é possível que um governo, em qualquer país do mundo, aceite submeter a pessoa que está sob asilo a risco de vida. Se nada aconteceu, essa não é a questão. Poderia ter acontecido. Um governo não negocia vidas, um governo age para proteger a vida.
A fala da presidente ocorreu na saída de um evento no Senado para comemorar os sete anos da Lei Maria da Penha. A presidente assegurou ainda que o governo brasileiro havia tentado, em vários momentos, negociar o salvo-conduto que permitiria a saída segura de Molina do país. Segundo ela, a embaixada brasileira era confortável, e o primeiro dever do Brasil era proteger a vida do senador, sem correr os riscos de tirá-lo do país.
- O Brasil jamais poderia aceitar, em momento algum, sem salvo-conduto do governo boliviano, colocar em risco a vida de uma pessoa que estava sob sua guarda. A embaixada do Brasil é extremamente confortável. Nós negociamos em vários momentos o salvo-conduto, não conseguimos. Lamento profundamente que um asilado brasileiro tenha sido submetido à insegurança a que ele foi. Lamento. Porque um Estado democrático e civilizado, a primeira coisa que faz é proteger a vida, sem qualquer outra consideração. Protegemos a vida, a segurança e garantimos conforto ao asilado - disse Dilma, sem entrar nas considerações políticas sobre as relações de seu governo com o de Evo Morales.
O tom das declarações de Dilma Rousseff foi apenas uma mostra de como ela reagiu, um dia antes, ao se reunir com o ex-ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota. Na noite de segunda-feira, Dilma exigiu de Patriota a cabeça do diplomata Eduardo Saboia, tido como responsável direto pela operação e, ontem à tarde, mandou documento ao Senado cancelando a indicação de Marcel Biato, que até junho era embaixador brasileiro na Bolívia, para assumir a embaixada em Estocolmo, Suécia.
Segundo uma fonte próxima à presidente, Patriota explicou que não havia possibilidade de exonerar Saboia antes do resultado de uma sindicância, que poderá ou não, em 30 dias, resultar em procedimento administrativo disciplinar (PAD). A conversa foi dura e terminou com a demissão do chanceler, que, ao retornar a seu gabinete, fez um discurso dizendo que sua saída tinha por objetivo preservar a instituição Itamaraty.
Informado das declarações da presidente, Eduardo Saboia reagiu com apreensão. Ele reafirmou que tinha o objetivo de defender a vida do boliviano, que estava em processo acelerado de depressão e falando em suicídio pelo longo confinamento em um cubículo da embaixada do Brasil.
- Reze por mim. Só digo uma coisa: eu defendi a vida. O governo não se empenhou para tirá-lo de lá - disse Saboia, completando ao saber do tom das declarações de Dilma. - Eu estou sereno.
Ele discordou da afirmação da presidente de que "um governo não negocia vidas". Ele comparou a situação de Molina à dos americanos que se refugiaram na residência do embaixador canadense no Irã, após a invasão da embaixada dos Estados Unidos em Teerã, em 1979.
- O senador Roger Pinto ficou mais tempo na embaixada do Brasil do que o pessoal no Irã. Os americanos ficaram confinados 440 dias, com o governo americano se empenhando para tirá-los de lá. O Molina ficou 452 dias confinado. E o governo não se empenhou - criticou Saboia.
Instalada comissão que vai apurar fuga de Molina da embaixada
Foi instalada ontem a comissão que vai apurar a saída de Roger Pinto da embaixada brasileira em La Paz. O grupo será presidido pelo auditor fiscal da Receita Dionísio Carvalho Barbosa, que atualmente é assessor da Controladoria Geral da União. Também participarão dos trabalhos, que terão até 30 dias para serem concluídos, os embaixadores Clemente de Lima Baena e Glivânia Maria de Oliveira.
Quanto a Marcel Biato, a atitude de Dilma, que enviou mensagem à Comissão de Relações Exteriores do Senado pedindo a retirada de seu nome, deixou claro que há suspeita, no Planalto, de que o diplomata teve conhecimento ou algum tipo de participação no plano de fuga. Biato já tinha até recebido o "agreement" do governo da Suécia e faltava a aprovação no Congresso brasileiro.
Após vários dias defendendo publicamente a operação que coordenou, a expectativa entre os amigos do diplomata é que Saboia silencie. Sua mulher, que também é diplomata e está lotada em Santa Cruz de La Sierra, e sua filha continuam na Bolívia e, a partir de agora, Saboia terá de se defender no processo administrativo aberto pelo Itamaraty. Assim, a tendência é que ele passe a se pronunciar sobre o caso apenas por meio de seu advogado. A primeira medida para evitar exposição foi, inclusive, o cancelamento da visita que ele faria amanhã ao Senado.
O recato também deve ser a regra para Molina. O encontro que ele teria ontem com senadores foi cancelado, por precaução, pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES). O senador brasileiro foi quem conseguiu o jato executivo que levou o boliviano de Corumbá para Brasília, durante o fim de semana. Segundo Ferraço, o boliviano ainda teme que o governo brasileiro possa ceder às pressões do governo de Evo Morales e voltar atrás na concessão do asilo.
- Ele não veio ao Senado em função do agravamento da crise, desses desdobramentos. A situação dele ainda é vulnerável. A condição de asilado exige cautela, então decidimos esperar as coisas se estabilizarem. Se ele viesse, uma coletiva de imprensa teria perguntas de todo tipo, e a situação seria delicada. A evolução dos fatos nos últimos dias impôs cautela, e ele se convenceu de que, na posição de asilado, não poderá sair por aí dando opinião - explicou Ferraço.
Com aval do Palácio do Planalto, o petista Jorge Viana (AC) entrou no circuito. Ele conhece Molina há muitos anos - apenas um lago separa a área de atuação de ambos na fronteira entre os países. Viana conversou com o senador boliviano para aconselhá-lo a não ir ao Congresso ou falar em público. Molina foi alertado de que sua situação é extremamente complicada e que, caso se exponha, sua permanência no Brasil fica em risco.
- Disse para ele não vir ao Senado, não dar entrevista e esperar os encaminhamentos das autoridades brasileiras. Expliquei que falar qualquer coisa agora iria trabalhar contra ele, e é óbvio que sua permanência aqui poderia ficar em risco. Conversei com ele novamente hoje (ontem), por telefone, e ele concordou. Tudo o que ele quer agora é ter paz e ver sua família, que está no Acre - disse Viana ao GLOBO.
Fonte: O Globo
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