Para procurador do Trabalho, contrato proposto pelo governo fere lei trabalhista e Constituição
Coordenador de órgão diz que terá que 'interferir'; acordo do Brasil com Cuba teve aval de braço da OMS
Claudia Rolli
SÃO PAULO - A importação de 4.000 médicos cubanos para atuar no interior do país pelo programa Mais Médicos, do governo Dilma Rousseff (PT), será questionada pelo Ministério Público do Trabalho.
O procurador José de Lima Ramos Pereira, que comanda no órgão a Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho, disse que a forma de contratação fere a legislação trabalhista e a Constituição.
"O MPT vai ter que interferir, abrir inquérito e chamar o governo para negociar."
O acerto também foi questionado por auditores fiscais do Ministério do Trabalho em São Paulo e pelo presidente da comissão da OAB-SP que trata de assistência médica.
A vinda dos cubanos foi anunciada após a primeira etapa de seleção ter atendido apenas 10,5% das vagas.
Os profissionais de Cuba terão condições diferentes das dos demais estrangeiros --a bolsa de R$ 10 mil por mês paga pelo Brasil não será repassada aos médicos, mas ao governo de Cuba, que fará a distribuição a seu critério.
O governo diz não saber quanto eles vão ganhar, mas que os pagamentos devem ser como os da ilha comunista ou de missões deles ao exterior.
A gestão Dilma diz que, em parcerias entre Cuba e outros países, costuma haver um repasse de 25% a 40% do total --que, no Brasil, significaria de R$ 2.500 a R$ 4.000.
O ministro Alexandre Padilha (Saúde) disse à TV Globo que eles devem receber mais do que os enfermeiros.
O procurador Ramos Pereira afirmou que a contratação é "totalmente irregular", sob pretexto de resolver uma questão relevante (a falta de médicos), "mas que não está caracterizada com a urgência que exige uma situação de calamidade", como epidemia e terremoto. Ele disse que seria preciso concurso público.
"A relação de emprego tem de ser travada diretamente entre empregador e empregado. O governo será empregador na hora de contratar e dirigir esses médicos, mas, na hora de assalariar, a remuneração é feita por Cuba ou por meio de acordos. Isso fere a legislação trabalhista."
Sobre a questão salarial, ele disse ser necessário respeito ao salário mínimo.
O auditor fiscal do Trabalho Renato Bignami, coordenador do programa de erradicação do trabalho escravo em São Paulo, disse temer a "precariedade". "Essa situação criará uma assimetria no mercado de trabalho se os médicos cubanos receberem salários inferiores aos pagos aqui."
Para Bignami, é prematuro, porém, comparar com escravidão, como criticaram integrantes da classe médica. "Não são só os salários aviltantes que são considerados para essa situação. Há fatores como jornadas exaustivas e condições degradantes."
José Cláudio Ribeiro Oliveira, que preside a comissão sobre assistência médica da OAB-SP, disse que foi criada a figura do "intercambista", mas que isso serviria para estudo ou troca de informações. "Se a moda pegar, vamos ter intercambista na lavoura."
Os cubanos atuarão em 701 cidades (que não tiveram interessados na primeira fase), com população de 11 milhões -- 45% em áreas rurais, a maioria no Norte e Nordeste.
O acordo teve aval da Opas (braço da OMS para as Américas). O governo disse não ter sido notificado pelo MPT, mas que a remuneração é referente a uma bolsa.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário