Roberto Simon
SANTIAGO - Pouco após consolidar-se no poder, o regime de Augusto Pinochet começou a operar uma sofisticada máquina de propaganda dentro do Brasil, com ajuda de centros de estudos "amigos", jornalistas e integrantes da classe artística. Segundo o primeiro embaixador da junta militar em Brasília, Hernán Cubillos Leiva, o País deveria se tornar um "trampolim" para promover a imagem da ditadura chilena no mundo.
Detalhes sobre como funcionou essa extensa máquina de propaganda, em território brasileiro, estão em documentos diplomáticos chilenps recentemente liberados e obtidos pelo Estado. Desde o domingo, o jornal vem mostrando como conspiradores do Chile receberam forte apoio do Brasil para derrocar o socialista Salvador Allende, há 40 anos.
A embaixada chilena em Brasília chegou a bancar e supervisionar, secretamente, a publicação de livros simpáticos ao golpe de setembro de 1973. Um deles chamava-se Interpretação do Chile, do advogado carioca Wilson Pinto. A missão chilena pagou em novembro de 1974 o livro, "mas sem aparecer vinculada" ao autor, segundo um ofício confidencial.
Em outro documento, o embaixador explica: "O livro (do advogado) representa uma clara defesa do pronunciamento (golpe) militar e constitui um verdadeiro panegírico ao nosso país". Cubillos sugeria ainda que a obra, atribuída exclusivamente ao brasileiro, fosse traduzida e publicada em outros países latino-americanos. Diplomatas de Pinochet também articularam o lançamento no Brasil de O experimento marxista chileno, sobre como o golpe de 1973 "salvou" o Chile, escrito por Robert Moss, jornalista australiano radicado na Grã-Bretanha.
Amigos. A iniciativa do embaixador para lançar o livro de Moss recebeu o apoio de um centro de debates fundado por empresários paulistas: a Sociedade de Estudos Políticos, Econômicos e Sociais (Sepes). Em fevereiro de 1974, a mesma organização - cuja sede supostamente ficava no Shopping Iguatemi - alertou a embaixada que exilados chilenos e brasileiros realizariam, em Roma, um protesto em forma de julgamento político" das ditaduras, instaladas devSantiago e Brasília.
O ato de repúdio na Itália viria na forma da reedição do chamado "Tribunal Bertrand Russell", criado em meados dos anos 50 pelo filósofo britânico, tom a colaboração do francês Jean-Paul Sartre, para denunciar os crimes do colonialismo europeu. Desta vez, no "banco dos réus" estariam os regimes militares sul-americanos e um dos promotores seria o escritor Gabriel García Márquez.
Ao ser avisado pelo Sepes, o embaixador de Pinochet buscou informações com autoridades brasileiras. No despacho à chancelaria chilena, escreveu que Brasília queria apoio para lançar "uma ofensiva publicitária destinada a desqualificar" o tribunal.
A máquina de propaganda da ditadura chilena estendia-se a outros setores do mundo da cultura. Diplomatas chilenos mantinham, por exemplo, uma relação de jornalistas "amigos" e reclamavam que a imprensa brasileira estava "infiltrada por simpatizantes do comunismo".
O embaixador Cubillos também conseguiu apoio entre artistas brasileiros. Segundo um relatório reservado que enviou no fim de 1974, "cerca de 80"pintores afiliados à Associação Internacional de Artistas Plásticos (Aiap) doaram "mais de cem quadros" ao Museu de Belas Artes de Santiago.
Segundo o embaixador, o Brasil seria terreno especialmente fértil para a propaganda chilena em razão do forte apoio de setores da sociedade e do governo aos conspiradores que derrubaram Allende. "No planejamento dos trabalhos (de divulgação cultural) e posterior execução, teve-se presente a singular situação do Brasil em relação ao Chile, procurando utilizar em grau ótimo a boa vontade do povo e do governo."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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