Ricardo Brito
BRASÍLIA - Quase 50 anos após o golpe militar, o Congresso aprovou, na madrugada de ontem, um projeto de resolução que anula a sessão do Poder Legislativo na qual foi declarada vaga a Presidência da República - e que, na prática, tirou do poder o presidente João Goulart. Como Goulart estava, naquele momento, em Porto Alegre, e portanto não havia abandonado o País, a decisão era inconstitucional.
Naquela madrugada, 2 de abril de 1964, tropas militares já deixavam os quartéis para derrubar o governo. A declaração de vacância da Presidência dava ao Congresso a base para nomear provisoriamente para o lugar de Jango o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Abria-se o caminho para a instalação do regime militar, que se estendeu por 21 anos, até março de 1985.
A matéria foi tratada pelos parlamentares como uma “reparação” e “desculpa” histórica à decisão do Parlamento. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou que vai convocar, futuramente, uma sessão solene para homenagear o presidente afastado.
A sessão foi acompanhada por parentes de João Goulart, como seu filho João Vicente Goulart. Na semana passada, os restos mortais do ex-presidente foram exumados a fim de se determinar se ele foi envenenado ao morrer no exílio em Mercedes, na Argentina, no dia 6 de dezembro de 1976. Durante os debates, o deputado federal e militar da reserva Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi o único a criticar a proposta.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS), um dos autores do pedido e amigo de João Goulart, afirmou que a hora é de se exaltar o "momento histórico". Ele lembrou que Jango, como era conhecido o presidente, ainda estava dentro do País quando foi apeado do poder. "Não vamos reconstituir os fatos. A história apenas vai dizer que, naquele dia, o presidente do Congresso usurpou a vontade popular de maneira estúpida e ridícula, depondo o presidente da República", declarou, no discurso mais aplaudido da sessão.
O deputado Domingos Sávio (PSDB-MG), relator do projeto, afirmou que o Congresso precisa ter "coragem" para admitir que naquela noite de 1964 ocorrera uma das "páginas sombrias da sua história". "Eu fico muito feliz que nós estamos vendo uma das páginas mais lindas deste País", disse o tucano, ao aprovar o pedido.
Desta vez, o presidente do Senado conseguiu impedir a tentativa de Jair Bolsonaro de derrubar a sessão por falta de quorum - como ocorreu no dia anterior. Renan Galheiros usou artigos do regimento interno da Câmara e da Constituição para barrar a iniciativa do deputado do PP. "Vossa Excelência, contra todos os líderes, todas as bancadas, não pode paralisar os trabalhos do Congresso Nacional, contrariando a Constituição Federal", afirmou Renan.
Adversário isolado da proposta, Jair Bolsonaro disse que ela pretende "apagar um fato histórico de modo infantil". "É mais do que o stalinismo, em que se apagavam fotografias. Querem apagar o Diário do Congresso", afirmou o deputado.
Bolsonaro ainda ironizou, dizendo-se "satisfeito" com a decisão. Ela significa, prosseguiu, um reconhecimento de que o golpe não teria partido dos militares, mas sim do próprio Poder Legislativo.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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