Regra atual para reajustes acaba em 2015 e sua prorrogação já divide economistas
Clarice Spitz, Henrique Gomes
RIO - O ano de 2015 é o último em que a fórmula de reajuste do salário mínimo — inflação mais a variação do PIB de dois anos atrás — vai vigorar. As propostas que podem selar o futuro de 37,1 milhões de pessoas que hoje recebem até esse valor, entre trabalhadores da ativa e aposentados, começam a ser postas na mesa. Vão desde a desindexação da inflação passada e da mudança para um reajuste igual ao do salário médio até a manutenção da fórmula.
Os economistas especializados em mercado de trabalho João Saboia, da UFRJ, e Claudio Dedecca, da Unicamp, defendem a continuidade da regra e contam com a adesão das centrais sindicais. Fabio Giambiagi, da FGV, especialista em contas públicas, quer alta de até 1% mais inflação. Nelson Barbosa, também da FGV, defende inflação mais a variação do salário médio. Clemente Ganz, do Dieese, defende a necessidade de aumentos reais e vê a fórmula com simpatia, por deixar o tema livre das pressões políticas.
A deterioração fiscal deve esquentar o debate. A agência Moody’s, que mudou a perspectiva da nota de risco de crédito do Brasil em setembro, cita o fato de que metade dos gastos primários correntes do governo serem indexados ao salário mínimo.
A lei, que começou a vigorar em 2007, prevê que o mínimo tenha ganho real até 2023. Sem os ganhos reais do mínimo na última década, o Índice de Gini (quanto mais próximo de zero, melhor a distribuição de renda no país) seria de 0,613, dez pontos acima dos 0,509 registrados na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A conta é de Claudio Dedecca, da Unicamp, supondo que o salário mínimo não tivesse tido ganho real.
— O pouco que estamos crescendo vem pelo consumo. As nossas dificuldades não estão ligadas à renda, mas à falta de estratégia do governo para ativar o investimento. Corremos o risco de comprometer o já baixo crescimento que temos — afirma.
Dieese: salário deveria ser de R$ 2.500
Para Nelson Barbosa, do Ibre/FGV e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, a regra precisa ser mudada. Segundo ele, apesar da redução das disparidades sociais, há pressão sobre as contas públicas. Ele lembra que o mínimo equivale a cerca de 40% do salário médio, dez pontos percentuais acima do Plano Real e no mesmo patamar de Austrália e Bélgica. Ele defende uma relação estável entre o mínimo e o salário médio. O mínimo teve um reajuste real de 72,31% entre 2005 e 2014. Já a renda média teve alta de 29,6% entre 2003 e 2013.
— A política do mínimo é correta mas precisa ser reavaliada. Será que ser 40% do salário médio é ideal? Não sei. Há movimentos sindicais na Europa que dizem que precisa ser de 50%, 60%. Houve um forte aumento que corrigiu a desigualdade, mas a redução da desigualdade não passa apenas pela renda, mas também por educação, saúde — afirma Barbosa.
Opositor da atual fórmula, o economista Fabio Giambiagi defende a desvinculação do salário mínimo do piso previdenciário, mas reconhece que a proposta não deverá ser politicamente factível.
Em 2012, duas a cada três aposentadorias recebiam o equivalente ao mínimo, e eram pagos 16,868 milhões em benefícios até essa faixa. Para ele, o debate ainda é regado a emocionalismo e a sua proposta é de continuar a aumentar o mínimo (e também o piso previdenciário) entre 0,5 % e 1,0 % por ano, além da inflação.
— A política de reajuste do mínimo está estrangulando as demais políticas públicas do país e é ineficiente em termos de combate à pobreza extrema. Quando o salário mínimo era de US$ 64, no início do Plano Real, essa era uma questão, mas quando ele chega a US$ 300, a política tem que ser repensada. — afirma.
O professor José Márcio Camargo, da PUC-Rio, vai na mesma linha. Ele afirma que a atual regra não tem relação nem com o mercado de trabalho e nem mesmo com o ganho de produtividade do país. Camargo acredita que o ideal seria mirar a produtividade para, depois, obter ganhos salariais.
Do contrário, diz, o país terá cada vez mais desequilíbrios macroeconômicos.
João Saboia, da UFRJ, vê dois pesos e duas medidas na discussão e vê espaço para a continuidade da política de redução de distâncias salariais:
— O problema de baixa produtividade e crescimento pequeno não é culpa do salário mínimo. Por que se aceita tranquilamente que a Selic seja aumentada, já que isso vai pesar nas contas públicas e beneficiar os mais ricos, e quando se fala em melhorar a vida dos mais pobres isso fica sendo um peso? Ainda existe muita desigualdade salarial no país.
Para o economista José Luis Oreiro, da UnB e da Associação Keynesiana Brasileira, o mínimo é o principal combustível a indexar a inflação de serviços, que terminou 2013 com alta de 8,75% e precisa de mudança.
Oreiro propõe que se substitua a inflação passada pelo centro da meta da inflação perseguida pelo BC, hoje em 4,5% no ano, com margem de dois pontos percentuais para cima e para baixo, e acrescida de 2%, a título de produtividade do trabalho. Ele vê risco de perdas salariais, mas, com a meta cumprida, haverá ganhos ao trabalhador:
— O crescimento do mínimo não tem relação com a produtividade. A inflação em grande parte está perto do teto porque foram introduzidos vários mecanismos de indexação, como o mínimo.
Para Clemente Ganz, do Dieese, o ganho obtido com o mínimo é elevado para padrões históricos, mas ele ainda está abaixo do pico (em 1959, quando chegou a valer R$ 1.030 em valores atuais) e, principalmente, incapaz de atender a todos os preceitos previstos na Constituição. Segundo ele, para que o mínimo atenda às necessidades das famílias, ele deveria ser de R$ 2.500:
— Mesmo levando em conta que as mulheres também trabalham, cada um deveria ganhar cerca de R$ 1.300, e estamos distante desse patamar.
O Ministério da Fazenda informou que a revisão da política do mínimo não está em discussão e o Ministério do Trabalho não comentou o assunto.
Fonte: O Globo
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