Participação de eleitores com 16 e 17 anos será recorde em 2014, mas classe política está preocupada com os índices de brancos e nulos detectados nas pesquisas. Inspirado nas manifestações de junho, TSE lança campanha para estimular a ida às urnas
André Shalders – Correio Braziliense
As eleições de 2014 baterão o recorde em número de jovens aptos a votar. Somente no grupo dos eleitores com idade entre 16 e 17 anos, há um salto de 1,8 milhão em 2010 para 2,3 milhões este ano, de acordo com dados consolidados em fevereiro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Um aumento mais discreto também é observado na faixa etária de 18 a 24 anos. Esse contingente expressivo ajuda a explicar os altos e recorrentes percentuais de votos brancos e nulos registrados nas pesquisas de intenção de voto. Os números são maiores que os de eleições anteriores, mas nulos, brancos e abstenções estão longe de serem estranhos na política brasileira: em 2010, as três variáveis superaram o número de votos recebidos pelo segundo colocado na disputa presidencial daquele ano, José Serra (PSDB).
Pesquisa do Ibope, divulgada na última quinta-feira, mostra que a soma de brancos e nulos, no cenário eleitoral mais provável, com Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) na disputa, atingiu um índice de 24%. O percentual é o mesmo, por exemplo, do somatório das intenções de voto de todos os adversários da presidente Dilma, incluindo os nanicos Pastor Everaldo (PSC), Denise Abreu (PEN), Randolfe Rodrigues (PSol) e Eduardo Jorge (PV). O índice de indecisos varia entre 12% e 13%. É justamente esta fatia do eleitorado que pode mudar a eleição.
Em uma pesquisa anterior do mesmo instituto, publicada em novembro do ano passado, o percentual de brancos e nulos variava entre 17% e 31%, de acordo com os diferentes cenários políticos apresentados aos eleitores. Aos 18 anos, o estudante secundarista Cláudio Túlio Soares Martins votará para presidente da República pela primeira vez em outubro. Até agora, entretanto, nenhum dos quatro principais pré-candidatos ao cargo conquistou o voto do jovem morador de Samambaia. “Até agora, meu voto é nulo. E o da maioria das pessoas que convive comigo também”, apressou-se em dizer. Participante das manifestações de junho passado e também dos “rolezinhos” ocorridos em centros comerciais da cidade, Cláudio dá rosto ao grupo que embaralha os cálculos eleitorais de especialistas e lideranças.
Sem muita convicção, diz-se mais próximo da esquerda política que do que da direita, e expressa uma descrença profunda nas instituições e nos políticos em geral. “Acho que isso (o voto nulo) é mais por causa do retorno que os políticos dão para as pessoas. Minha escola, por exemplo, ficou uma semana fechada por causa de um problema na instalação elétrica. E só voltou porque os pais e professores fizeram vaquinha para pagar”, exemplifica. “Enquanto isso, os políticos gastam milhões com estádio e com Copa do Mundo. Não dá pra levar fé nos caras”, arremata.
Redes sociais
Para o jornalista e doutor em História Cultural Aylê-Salassié Filgueiras Quintão, há ainda um outro elemento a desestabilizar o quadro eleitoral deste ano. “Além desses jovens, há ainda um percentual muito grande de eleitores que embarcaram no chamado ‘espiral do silêncio’. São pessoas que não manifestam opiniões políticas por medo de que elas se choquem contra a opinião majoritária na sociedade. Esse é um grupo cujo comportamento eleitoral só vai ser conhecido na hora da urna”, ressalta. O tema foi desenvolvido por Quintão no livro Rupturas, lançado em Brasília e no Rio de Janeiro no fim do mês passado. No volume, Quintão também traça um perfil do eleitor jovem. “Eles estão permanentemente conectados em rede, no que eu chamei de ‘parlamento virtual’, onde são debatidos principalmente temas pontuais, de forma descontinuada. Não há ali um grande debate sobre os rumos dos país, e nem esses jovens expressam uma ideologia clara. O único traço comum é uma desconfiança e descrença generalizadas contra todas as instituições e partidos políticos”, comenta o especialista.
Preocupada com a possibilidade de um novo recorde no número de brancos, nulos e abstenções, a Justiça Eleitoral lançou uma campanha para conscientizar o público jovem sobre a participação democrática pela via eleitoral. Pensada no formato de vídeos curtos, feitos para a internet e para as redes sociais, a campanha tem como mote a frase #vempraurna, numa alusão a um dos gritos de guerra empregados pelos jovens nas passeatas do ano passado. Artistas como Carlinhos Brown, Daniela Mercury e Bell Marques (ex-Chiclete com Banana) participaram das gravações ao longo desta semana, em Salvador (BA). Nos vídeos, os músicos serão mostrados com camisetas estampadas com a logomarca da campanha.
Cronologia
1532
» Primeiro pleito de que se tem notícia no Brasil. Eleição indireta para o Conselho Municipal de São Vicente, primeira vila fundada na então colônia portuguesa.
1821
» Primeira eleição brasileira em moldes modernos. Homens livres, a partir dos 25 anos, inclusive analfabetos, podiam eleger representantes para a Corte portuguesa. Casados e oficiais militares tinham direito ao voto aos 21 anos. Não existiam partidos políticos. A votação não era secreta.
1824
» É editada a primeira legislação eleitoral brasileira. O voto era censitário, ou seja, não restrito àqueles que preenchessem condições econômicas. Poderia ser por procuração e não existia título de eleitor. Estavam excluídos da vida política nacional quem estivesse abaixo da idade limite, as mulheres, os assalariados em geral, os soldados, os índios e — evidentemente — os escravos.
1842
» É proibido o voto por procuração.
1881
» A Lei Saraiva estabelece a obrigatoriedade do título de eleitor. O analfabeto perde o direito de votar.
1889
» A Proclamação da República não assegura o direito ao voto a menores de 21 anos, mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero.
1891
» O voto direto para presidente e vice-presidente aparece pela primeira vez na Constituição Republicana, com o presidencialismo.
1894
» Primeira eleição direta para presidente. Prudente de Morais chegou ao poder com cerca de 270 mil votos que representavam quase 2% da população brasileira da época.
1932
» A Justiça Eleitoral é criada. É assegurado à mulher o direito de ir às urnas e garantido o sigilo dos votos. A médica paulista Carlota de Queiroz foi eleita deputada.
1934
» A Constituição estabelece a idade mínima obrigatória de 18 anos para o exercício do voto.
1937
» No Estado Novo, o código eleitoral é revogado. As eleições livres são suspensas e é estabelecida eleição indireta para Presidente da República, com mandato de seis anos. As mulheres só voltam a votar em 1946.
1945
» Retorno das eleições.
1946
» A Constituição não exigia a maioria absoluta dos votos para representantes do Executivo. Assim, menos da metade dos eleitores levaram três presidentes ao poder: Getúlio Vargas, em 1950; Juscelino Kubitschek, em 1955; e Jânio Quadros, em 1960.
1963
» Com a renúncia de Jânio Quadros em 1961, o Congresso condicionou a posse de João Goulart ao parlamentarismo. Em janeiro de 1963, contudo, o brasileiro participou do primeiro referendo, que teve como resultado a rejeição do novo sistema.
1964
» Golpe militar proíbe o voto direto para presidente e para representantes de outros cargos majoritários, como governador, prefeito e senador. Apenas deputados federais, estaduais e vereadores eram escolhidos nas urnas.
1968
» O Ato Institucional 5 dá plenos poderes ao governo. O Congresso é fechado e muitos parlamentares são cassados.
1972
» São restauradas as eleições diretas para senador e prefeito, exceto para as capitais.
1978
» É editado o Pacote de Abril, que determina a eleição de apenas dois senadores, um eleito diretamente e outro indiretamente pelas assembleias legislativas.
1984
» Começa a campanha pelas eleições diretas.
1985
» É eleito indiretamente o primeiro presidente civil após o período militar. Emenda constitucional restabelece eleições diretas para presidente e prefeitos de cidades consideradas área de segurança pelo regime militar. A emenda concede direito de voto aos maiores de 16 anos e analfabetos.
1988
» É promulgada nova Constituição, que estabelece eleições diretas. Prevê o voto facultativo para analfabetos, os maiores de 70 anos e os jovens entre 16 e 18 anos.
1989
» Após 29 anos, o Brasil elege o primeiro presidente pelo voto direto.
1996
» As urnas eletrônicas são usadas pela primeira vez nas eleições municipais.
2008
» Começa a ser testada a identificação biométrica dos eleitores, nas eleições municipais.
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