• Para especialistas, greves promovidas por dissidentes mostram distanciamento entre líderes e base
Sérgio Roxo – O Globo
SÃO PAULO - A crise de representatividade detectada na raiz de diversas manifestações ocorridas pelo país desde junho do ano passado parece estar atingindo agora os sindicatos. Essa é pelo menos a opinião de alguns especialistas que estudam o setor e que enxergam nas paralisações lideradas, nos últimos dias, por dissidentes sindicais no Rio de Janeiro e em São Paulo um distanciamento da base em relação a suas lideranças sindicais. Elas estariam inclusive sendo colocadas em xeque em algumas categorias.
— É evidente que o contexto social (da proximidade da Copa do Mundo) é propício a manifestações — avalia Ricardo Antunes, professor de sociologia do Trabalho da Unicamp: — Mas há uma crise de representação na sociedade brasileira que atinge também o movimento sindical.
Nas situações mais extremas, diz o especialista, surgiram movimentos grevistas dissidentes da direção de seus próprios sindicatos.
— Os organismos de representação que não falam pelo conjunto da categoria geram um mal-estar em setores descontentes — destaca Antunes, lembrando que isso foi visto tanto na paralisação de garis do Rio quanto na dos motoristas de ônibus em São Paulo na semana passada.
Para Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), as dissidências também são resultados das disputas internas travadas nos sindicatos:
— Há sim uma correspondência entre os movimentos de rua e parte das greves que está acontecendo: os sindicalistas descobriram que as novas tecnologias de informação permitem uma organização para além e por fora do sindicato.
Cardoso não acredita, no entanto, em um movimento das bases contra os dirigentes sindicais.
— O que está acontecendo é a facilidade das oposições poderem operar como se fossem sindicato. Trata-se de uma disputa das elites sindicais.
O cientista político Leôncio Martins Rodrigues acredita, por sua vez, que os dissidentes podem estar, sim, buscando espaço.
— A radicalização é uma estratégia comum para chegar ao poder — lembra ele.
‘Hoje o sindicato não nos representa’
O motorista Hélio Alfredo Teodoro, de 40 anos, é um dos líderes do grupo de dissidentes dos rodoviários do Rio. Ele afirma não ter pretensão de assumir o comando oficial da categoria e conta que sua única participação na política sindical foi ter ajudado na campanha da chapa que hoje está no poder.
— Hoje, o sindicato não nos representa — diz ele: — Não admitimos que o sindicato aceite uma proposta dos patrões sem perguntar à categoria. A classe acordou agora.
O motorista não relaciona a onda de manifestações que acontece desde junho de 2013 com a dissidência dos rodoviários.
— São anos apanhando, chega uma hora que você explode — diz.
Mas os especialistas destacam como a proximidade da Copa do Mundo se tornou um trunfo importante nas negociações de classe.
— Todos nós buscamos o melhor momento para conseguir o que queremos. E, para os grevistas, a Copa é esse momento. Tudo nesse período tem que ser definido rapidamente. O país está na vitrine — diz Antunes.
— As categorias de trabalhadores esperam os momentos mais favoráveis para fazer greve. A Polícia Federal sempre faz greve quando um evento está para acontecer — acrescenta Adalberto Cardoso.
Para ele, é natural que os grevistas tentem provocar o maior dano possível à imagem do governo, o que ele considera “legítimo”. Cardoso não acredita, no entanto, que esteja ocorrendo um aumento do número das greves e sim uma maior visibilidade para as paralisações que são encampadas.
O panorama de hoje parecer diferente do vivido em 2002. Depois da eleição de Lula, muitos sindicalistas passaram a fazer parte do poder.
— Os sindicalistas (hoje) possuem cargos, fazem parte do poder. Eles não podem fazer greves contra eles mesmos — analisa o cientista político Leôncio Martins Rodrigues.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), a maior das centrais sindicais, historicamente ligada ao PT, foi a que mais mudou a forma de atuação, dizem os especialistas.
— A CUT não deixou de exercer seu papel, mas não exerceu como nos anos 1980 e 1990 — destaca Antunes.
O estudioso acredita que a participação do ex-presidente Lula foi fundamental para que se consolidasse essa mudança de postura.
— O Lula é um mestre da cooptação, e houve cooptação de setores da CUT, com ex-dirigentes que foram para ministérios. A CUT sofre com esse difícil papel de ser, ao mesmo tempo, governo e uma central que defende os interesses dos trabalhadores.
Adalberto Cardoso não concorda que o país tenha vivido um período de calmaria sindical:
— Não é verdade essa história de que o sindicato não reivindica. Se a direção do sindicato não faz greve ou não consegue aumento, perde a eleição. Desde 2005, 80% das categorias obtiveram aumento acima do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor).
Claiton Gomes, secretário-geral do Sindicato dos Profissionais de Ensino de São Paulo (Sinpeem), filiado à CUT, reconhece que alguns sindicatos não souberam lidar com a chegada do PT ao poder.
— Muitos ficaram meio perdidos e confundiram o governo com o movimento — afirma Gomes, que esteve na diretoria da entidade.
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