Vandson Lima – Valor Econômico
BRASÍLIA - Montado à imagem e semelhança de seu líder Gilberto Kassab, homem que galgou postos e fez-se poderoso pelo talento para manejar o xadrez político nacional, o PSD converteu-se em símbolo do pragmatismo nas eleições de 2014. Primeiro partido a anunciar apoio à presidente Dilma Rousseff em sua busca pela reeleição, ainda em novembro, o PSD se aliou a chapas contrárias às do PT em 20 Estados brasileiros. Mais que isso, a sigla ocupa as mesmas coligações que o PSDB de Aécio Neves em 14 Estados e que o PSB, de Eduardo Campos, em nove.
No rol de apoios diretos oferecidos pelo partido de Kassab, a discrepância é ainda mais explícita. O PSD apoia candidaturas a governo do PSDB em oito Estados, do PSB em outros quatro e do PT apenas na Bahia e no Ceará. Desses partidos, recebe o apoio petista no Rio Grande do Norte e do PSDB no Amapá.
Ao Valor, Kassab garante que, se Dilma sair derrotada da disputa eleitoral, o PSD irá para a oposição. Mas a promessa não encontra eco em seus pares, que creem que as composições regionais do partido o levarão naturalmente a estar no próximo governo, vença Dilma, Aécio ou Campos. Mais que isso, líderes da sigla atestam que, na maioria dos Estados, a máquina partidária do PSD está trabalhando fortemente pela eleição de Aécio.
"Os quadros vieram de origens diversas. Sempre dissemos que essa identidade partidária iríamos buscar pós 2015, quando o PSD passasse por uma eleição nacional", afirma o deputado Eduardo Sciarra. Presidente do partido no Paraná, seu Estado é um exemplo da falta de vínculos com a candidatura presidencial petista. "Sou coordenador da campanha do governador Beto Richa [PSDB] à reeleição. Nosso grupo político é o mesmo", diz. O material de campanha do governador, que o PSD ajuda a colocar na rua, sai casado com o nacional, que tem Aécio. A maioria dos candidatos do PSD paranaense, conta, fez seu santinho também se vinculando ao tucano. "Não dá para eu ir no palanque da Dilma, fica incoerente. A maioria do PSD aqui está trabalhando pelo Aécio, sem dúvida", atesta.
Não é uma realidade isolada. Reservadamente, dirigentes da sigla dizem que o grosso do PSD nos Estados trabalha para fazer Aécio presidente. Líder da bancada do PSD na Câmara, o deputado Moreira Mendes, de Rondônia, concorre a uma vaga ao Senado aliado aos tucanos locais. "Em Rondônia historicamente essas forças de centro-direita estão sempre aglutinadas. Dependemos de agricultura e pecuária, uma área que não se dá com o pessoal do PT", diz. Ele duvida que o PSD ocupe um espaço de oposição mesmo em uma eventual derrota de Dilma. "Eu me dou muitíssimo bem com o Aécio e o PSD não tem esse espírito de oposição radical. Um partido com 50 deputados sempre vai ter espaço de negociação", avalia. Sciarra segue o mesmo raciocínio. "Teremos peso político e, até pelo apoio dado a ele em vários Estados, é natural que vá haver vínculo com um eventual governo do Aécio".
A consolidação do PSD, um gigante sem rosto da política nacional - formado como escape às restrições de migração partidária impostas pela Justiça Eleitoral, rapidamente o partido, que completa hoje 34 meses de existência, amealhou a terceira maior bancada de deputados do Congresso Nacional, elegeu cerca de 4,6 mil vereadores e 497 prefeitos, mesmo antes de apresentar propostas que caracterizassem sua ação e norte ideológico - contempla essa atuação, sem que isso lhe custe a cobrança da fidelidade nas alianças. Nem aqueles que outrora eram adversários abertos resistiram à disseminação do PSD. DEM, PPS e PMN, que em diferentes momentos investiram com ações junto à Justiça para inviabilizar a formação da sigla agora dividem chapa com o partido em pelo menos uma dezena de Estados cada.
Muito da explicação sobre os movimentos da sigla se espelha na própria trajetória de Kassab. Ouvidos pelo Valor, atuais e antigos companheiros, líderes e dirigentes de outros partidos condensam um perfil desse engenheiro de 53 anos, que compensou o pouco carisma e dom para o palanque sendo um articulador incansável. Kassab, dizem, começa a fazer política às 5h30 da manhã. Em sua agenda não há tempo para abstrações, literatura, música ou cinema. Cresceu na política sabendo o momento certo de deixar para trás antigos aliados - assim o fez com Paulo Maluf, Celso Pitta, com o DEM - e suportando as agruras de novos vínculos. Anúncio da presença de Kassab em evento do PT é vaia na certa. Mas ele comparece a todos e ouve o apupo da plateia sem reagir.
E acima de tudo, avaliam unanimemente: Kassab detém uma capacidade assustadora de levar o blefe às últimas consequências, enlouquecendo negociadores.
O Kassab que se põe diante do gravador, no entanto, é muito diferente. Suas entrevistas costumam ser previsíveis. Não faz o tipo boquirroto, raramente dá recados em público. Suas respostas são curtas e bem editadas, com as vírgulas em seus devidos lugares. Quando defende uma proposta, normalmente é sobre uma questão de consenso, como combate à corrupção, meio ambiente ou pacto federativo. O PSD, diz, é um partido de centro e a célebre frase "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro", defende-se, "foi uma desonestidade do jornalista. Ele editou o que eu falei, que o partido estava sendo criado e isso seria definido em conjunto no futuro".
Por ser um partido de centro, diz Kassab, "há propostas um pouco mais sintonizadas com o campo da esquerda e outras, com o campo liberal. O PSD defende com muita intensidade investimentos na saúde pública, educação e segurança, mas no campo da economia tem visão liberal, defende economia de mercado, parcerias público-privadas". E, claro, a liberdade de imprensa. "Triste é o partido que não sabe conviver com a liberdade de imprensa". Chega a perguntar, simpaticamente, como os jornalistas estão vendo o seu partido.
Kassab não nega o insólito da distribuição de apoios regionais do PSD não refletir a posição em âmbito nacional. Rebate com uma questão local. "Se é insólita a nossa posição, é também a do PSDB de São Paulo, que terá 40 comitês em conjunto com o PSB. Vai ter o Geraldo Alckmin circulando numa cédula com o Eduardo Campos. Na verdade, somos todos vítimas da ausência de uma reformulação na legislação partidária. Não é privilégio ou característica do PSD".
Ele avalia que o governo Dilma "teve avanços, mas ela não teve a oportunidade de conviver com uma atividade econômica no mundo intensa. Os patamares são diferentes do que ocorreu no governo do presidente Lula".
O apoio à candidatura da presidente, que não reflete as disposições regionais, foi então uma decisão de cima para baixo? "Não. Foi decisão da maioria", diz, sem explicar. "Vamos participar de seu governo se ela ganhar. Vamos ganhar juntos e governar juntos".
O acordo nacional com o PT, dizem aliados, foi o somatório de opção mais cômoda com pagamento de uma dívida de gratidão. Ao contrário da postura tomada até pelo PSDB, o PT não atrapalhou o caminho do PSD na busca, junto à Justiça, de tempo de exposição em rádio e TV e fundo partidário proporcionais à bancada - e o Palácio do Planalto operou para isso. Aécio, atestam, é ciente dos motivos desse acerto.
No mais, estar com o PT e migrar para a base de um eventual governo de PSDB ou PSB seria algo "sem trauma", avalia um dirigente. O contrário seria um processo desgastante.
Kassab, no entanto, diz que, se Dilma perder, seu partido vai engrossar as fileiras da oposição. A pergunta é refeita três vezes. "Essa é a postura da democracia. Quem perde vai para a oposição", responde na segunda vez. Muda levemente na terceira para "estou dizendo que, se perder a eleição, a tendência natural é que meu partido vá para a oposição".
Kassab nega, mas correligionários seus e tucanos paulistas entregam: a ideia do ex-prefeito paulistano para 2014 era mesmo ser vice na chapa do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que disputa a reeleição. Em que pese os arranca-rabos amiúde com o governador nos últimos anos, Kassab fazia um cálculo pragmático: caso saia vencedor, Alckmin terá de deixar o comando do Estado nove meses antes do pleito de 2018 se quiser continuar na política, seja para disputar uma vaga ao Senado ou buscar novamente a Presidência da República. Como vice, Kassab herdaria o cargo e, sentado na cadeira de governador, concorreria à reeleição, em movimento semelhante ao que fez quando foi vice-prefeito na gestão de José Serra (PSDB) na capital paulista - a diferença é que Serra deixou o posto com apenas um ano e três meses de governo, em 2006, para concorrer ao comando do Estado.
De vice indesejado em 2004 - Serra tanto não o queria na chapa que, informado que o então PFL batia o pé por Kassab, passou os dois dias seguintes dizendo que retiraria sua candidatura a prefeito - Kassab passou a aliado fiel de Serra. Dele, herdou um governo ainda com dois anos e nove meses a cumprir. Agarrou-se à chance, deixou o baixo clero da política nacional e partiu para uma bem-sucedida reeleição na maior cidade do país.
Escolado pelo episódio com Guilherme Afif Domingos (PSD), vice-governador que foi ao paroxismo de assumir uma cadeira de ministro no governo da presidente Dilma Rousseff (PT) sem deixar o cargo estadual, Alckmin não topou dar vice a Kassab. Ofereceu-lhe a vaga ao Senado.
Kassab garante que nunca negociou a vice. Não revela porque, tendo a possibilidade de sair candidato a senador na chapa governista, optou pela aliança com Paulo Skaf, candidato ao governo pelo PMDB. Jura que não foi troco. "O entendimento com o PSDB transcorreu em nível respeitoso. Reconheço a lisura deles no processo, mas esses entendimentos foram mais efetivos com o PMDB", diz.
Com a candidatura de Kassab ao Senado na rua, veio o contragolpe. Alckmin conseguiu convencer Serra a aceitar, no último dia, a candidatura a senador - tucanos garantem que, pelo menos desta vez, Serra não estava mesmo fazendo jogo de cena. Depois de mostrar em fins de 2013 que queria rumar ao Senado e não encontrar respaldo imediato no partido, Serra passou a apontar que preferia se consagrar com uma grande votação na disputa por uma vaga de deputado federal. "Kassab só manteve a candidatura para não desestimular os candidatos a deputado do PSD, que sempre preferiram uma coligação com os tucanos. Ele sabe que disputar com o Serra é bem difícil", diz um dirigente da sigla. Kassab procura mostrar-se despreocupado de disputar com o antigo padrinho político. "Serão três candidaturas de bom nível, contando a do Eduardo Suplicy [PT]. Bom para o eleitor".
Na conta da sigla, serão eleitos este ano entre 45 e 50 deputados federais do PSD. Para 2018, Kassab vislumbra lançar um candidato a presidente da República. "Temos bons quadros. Por que não pensar em ter um candidato a presidente em 2018? Henrique Meirelles poderia sim ser um bom presidente", avalia, lembrando o correligionário e ex-presidente do Banco Central.
Numa passagem aparentemente desimportante, ao comentar sua relação atual com Aécio Neves e Eduardo Campos, Kassab de certa maneira resume a própria trajetória e do pragmático PSD. "Mantenho relações com eles do ponto de vista pessoal e político. Porque um partido de centro comporta esses entendimentos".
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