- Correio Braziliense
Papel aceita tudo, diz o ditado. É comum ouvi-lo nas reuniões programáticas, nas quais as equipes dos candidatos se digladiam — muito mais em função da expectativa de poder que a elaboração dos programas exacerba do que em razão dos problemas nacionais. Em geral, é nessa atividade que a futura tropa de ocupação se concentra; a tropa de assalto cuida do marketing eleitoral e da campanha de rua. Depois da eleição, em caso de vitória, acaba numa posição periférica ou é descartada.
Tanto é verdade que a presidente Dilma Rousseff se tornou a favorita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de sua participação na elaboração do programa de governo do PT, que garantiu a ela uma vaga na equipe de transição, depois o Ministério de Minas e Energia e, finalmente, a Casa Civil. Acabou ungida por Lula e chegou lá. É um caso único, mas mostra bem a importância desse núcleo estratégico das campanhas. O programa é outra história.
No papel, o programa de Dilma é de continuidade em relação aos dois mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não de mudança. Essa seria a condição para promover "um novo ciclo histórico de prosperidade, oportunidades e de mudanças". É que a insatisfação do eleitorado, demonstrada nas pesquisas, criou uma espécie de fosso a separar as imagens dos dois petistas.
É curioso: Lula beneficiou-se da política de estabilização da moeda executada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, ao mesmo tempo, trabalhou dia e noite para desconstruir a imagem do tucano. Depois da crise de 2008, executou um cavalo de pau na economia, que foi bem-sucedido em curto prazo. Isso garantiu a eleição de Dilma, mas o aprofundamento de sua política anticíclica resultou no cenário de baixo crescimento, com inflação à beira do teto, de 6,5%, da meta do Banco Central (BC). Só não extrapolou esse limite até agora por causa da contenção forçada dos preços administrados pelo governo.
Dilma não tem respostas de curto prazo para a economia voltar a crescer. Alavanca a sua reeleição nos programas sociais que herdou, no financiamento da casa própria, nos incentivos fiscais para os automóveis e à linha branca e nos sacrifícios impostos à Petrobras, que dão sinais de esgotamento como fatores de expansão econômica.
Deixemos de lado o loteamento do governo entre os aliados. Dilma busca uma nova clivagem política, a partir da convocação de um plebiscito para fazer a reforma política com apoio popular, na qual o Congresso se veria de joelhos diante do PT revigorado e no poder. Após os protestos de junho do ano passado, bem que tentou fazer isso, mas não foi possível: os aliados refugaram. Agora, acredita que radicalização desse debate fará com que a polarização eleitoral se dê a seu favor.
O maniqueísmo político não resolve os problemas do país. Com acertos e erros, desde a redemocratização, cada presidente da República cumpriu uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses das forças políticas que representava. O programa da oposição democrática ao regime militar vem sendo executado gradativamente, por quase três décadas, ou seja, o tempo de uma geração — para frustração dos que acreditavam que a mudança do regime se confundiria com a revolução.
Não foi o que ocorreu. O ex-presidente José Sarney garantiu uma transição segura à democracia, que nos legou a atual Constituição (ou seja, o direito à igualdade de oportunidade), mesmo com o país à beira da hiperinflação. Embora apeado do poder no meio do mandato, o ex-presidente Fernando Collor de Mello promoveu a abertura da economia e nossa integração à globalização. O falecido Itamar Franco, no seu breve governo, deu início ao programa de estabilização da economia, com o lançamento do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso saneou o sistema financeiro, fez as privatizações e implantou a Lei de Responsabilidade Fiscal. O ex-presidente Lula completou a reforma previdenciária, implementou um grande programa de transferência de renda e fortaleceu o mercado interno.
Qual é o legado da presidente Dilma? Suas prioridades eram melhorar o ensino e a assistência à saúde; resolver os problemas de infraestrutura (mobilidade urbana, portos, aeroportos, ferrovias e rodovias); aumentar a produção de energia; reduzir o deficit habitacional e a violência urbana. Essa agenda está negativa porque exige mais crescimento econômico e inflação controlada para ser implementada, mas as urnas é que dirão se o atual governo fracassou.
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