Raquel Ulhôa – Valor Econômico
BRASÍLIA - Após a retomada das atividades legislativas, interrompidas pela campanha eleitoral, voltará à pauta a tentativa de lideranças de sustar o decreto da presidente Dilma Rousseff que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e estabelece diretrizes para os conselhos populares. Se Marina Silva (PSB) for eleita presidente, o foco dos parlamentares será redirecionado para o seu programa de governo, que também trata do tema.
O documento do PSB prevê a implantação da Política Nacional de Participação Social "pelo aumento da participação da sociedade civil nos conselhos e instâncias de controle social do Estado", autonomia dos movimentos populares e sua organização "de modo transversal, em todas as políticas e programas do governo". Diz que os movimentos populares e sociais devem ocupar espaços públicos e ter "diálogo permanente" com o governo, por meio de canais de comunicação mais ágeis e acessíveis.
O deputado Beto Albuquerque, candidato a vice-presidente na chapa de Marina, e Sérgio Xavier, um dos coordenadores da campanha, afirmam que a proposta é totalmente diferente do que determina o decreto de Dilma. A meta é que o governo tenha maior interação e canal direto com a sociedade por meio da internet, resultando em maior transparência.
"A nossa democracia é focada no digital. A maior participação da população está na transparência. On line! Povo informado fiscaliza. Não precisa só da política dos representantes e representados", escreveu Albuquerque, em mensagem por celular. Segundo Xavier, a política de participação social proposta pelo PSB parte de um conceito "muito mais estratégico" do que a criação de conselhos, prevista na proposta da Dilma.
De acordo com Xavier, o programa propõe "uma república da era digital", um governo interligado com a sociedade em rede. "O que estamos propondo é criar condições para que a cultura das redes seja incorporada no dia-a-dia das políticas públicas e canais de participação direta do governo com a sociedade", diz. A ideia é implantar novas tecnologias que permitam ao cidadão ter acesso a serviços públicos - como marcar consulta -, obter informações, acompanhar programas e dar sugestões.
Para parlamentares, a proposta de Marina não está clara. O primeiro eixo do programa tem como lema "democratizar a democracia". O texto diz que o Brasil vive uma crise nacional de representação. "Precisamos olhar a proposta para ver o seu alcance", diz o líder do PSDB na Câmara dos Deputados, Antonio Imbassahy (BA). Para ele, é importante esclarecer qual o instrumento legislativo proposto para implantar a política de participação social e se os conselhos seriam "politicamente aparelhados" e deliberativos.
O líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), afirma que não é possível comparar as duas propostas, porque a de Marina ainda está em aberto. Segundo ele, "a linha do PT é aparelhar os conselhos e dominar a composição. Isso é inaceitável". Mendonça Filho e Imbassahy lembram que aliados de Marina se posicionaram contra o decreto de Dilma no Congresso.
O líder do DEM é autor de um dos projetos de decreto-legislativo em tramitação no Congresso sustando o decreto de Dilma (número 8.243, de 23 de maio de 2014). Na justificativa, afirma que a intenção da presidente é "implodir o regime de democracia representativa, na medida em que tende a transformar esta Casa em um autêntico elefante branco, mediante a transferência do debate institucional para segmentos eventualmente cooptados pelo próprio Governo".
Para o deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR), as críticas da oposição são por motivos ideológicos. "Eles são contrários à participação e transparência. O decreto apenas disciplina melhor o funcionamento dos conselhos, regulamenta algo que já existe há mais de 20 anos e que precisava de um disciplinamento mais claro", afirma.
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), em voto em separado rejeitando projeto que susta o decreto de Dilma, afirmou, em defesa da medida, tratar-se "mais de um esforço de sistematização e articulação de instâncias e mecanismos de participação social já existentes, em prol do diálogo e da atuação conjunta com a administração pública federal, do que da criação de novas instâncias e mecanismos com essa finalidade".
A petista citou dados do IBGE, segundo os quais em 1999 operavam no país mais de cinco mil conselhos nas áreas de saúde, assistência social e educação; quase quatro mil tratavam de questões ligadas a criança e adolescente; e outros, a meio ambiente, turismo, habitação, transporte e política urbana. Gleisi afirmou no voto em separado que um dos objetivos do decreto é sistematizar atividades dessas instâncias, já que "o nível de participação da sociedade é extremamente desigual nas diferentes esferas temáticas da intervenção governamental".
Uma das críticas de parlamentares governistas e da oposição é ao fato de Dilma criar conselhos por decreto. Até os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), protestaram. Também é contestado o poder deliberativo dos conselhos na definição de políticas públicas.
"Com essa medida, o regime de representação é, em tese, substituído. Numa democracia, a população escolhe seus representantes. Pelo decreto, as eleições continuam, mas quem vai ter voz de comando e deliberar é o aparelho político, partidário. Sem necessidade de voto, o governo vai nomeando pessoas para os conselhos, que passam a substituir a vontade popular. É uma coisa antidemocrática. Usurpa as prerrogativas [do Congresso]", diz Imbassahy.
Em junho, em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social -o "Conselhão"-, Dilma defendeu o decreto. "Nós somos a favor da consulta e da participação de todos os segmentos no processo de estruturação dos projetos do governo. Muitas cabeças pensam melhor que somente as cabeças do Executivo", afirmou à época.
O decreto fixa que órgãos da administração pública considerem as instâncias e os mecanismos de participação social previstos no decreto - conselho e comissão de políticas públicas, conferência nacional, ouvidoria pública federal, mesa de diálogo, fórum interconselhos, audiência pública, consulta pública e ambiente virtual- para formulação, execução, monitoramento e avaliação de programas e políticas públicas. (Colaborou Raphael Di Cunto, de São Paulo)
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