- O Estado de S. Paulo
Mesmo quem tinha lá suas dúvidas sobre o nível de submissão da atual diretoria do Banco Central (BC) ao governo, deixou de ter depois que ouviu o que a presidente Dilma tem a dizer sobre a proposta de autonomia do BC.
Comercial da campanha da presidente Dilma sugere que banco central solto se predispõe a fazer o jogo dos banqueiros, contra os interesses do trabalhador, em benefício de um punhado de aproveitadores.
A presidente Dilma fez declaração semelhante com outros termos: “Esse povo da autonomia do BC quer um baita superávit, aumentar os juros pra danar, reduzir emprego e reduzir salário. (…) Sou contra isso”.
Depois dessa profissão de fé, é mais do que normal que a atual diretoria do Banco Central tenha desistido de puxar a inflação para dentro da meta. Limita-se ao que o governo manda ou ao que deixa fazer. Que também não fique espalhando por aí, nas Atas do Copom ou no Relatório de Inflação, que o governo está gastando demais, que não pode deixar os preços administrados tanto tempo sem reajuste ou que as relações incestuosas entre o Tesouro, o BNDES e a Caixa Econômica Federal minam a saúde das contas públicas. No mais, o BC está autorizado a fazer o teatro que quiser, com a linguagem empolada e vazia da hora, como a de que “o balanço do setor público se desloca para a neutralidade” ou, então, a de que “a inflação tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção”.
Alguém poderá argumentar que este é apenas um discurso de campanha inspirado pelos marqueteiros e que, na prática, as ações do Banco Central se pautam pela racionalidade imposta pela defesa implacável da moeda nacional.
Mas não foi o que aconteceu nestes três anos e pico de mandato Dilma. Ao longo desse período, a credibilidade do Banco Central foi sendo desconstruída aos poucos, mas sistematicamente. A política de juros, de crédito e de câmbio não guardou coerência com o discurso anterior das autoridades monetárias. Mudou aos solavancos, ao estilo Dilma de governar – o que passou a ser entendido como forte indício de que sua ação foi determinada pelo Palácio do Planalto ou pelo Ministério da Fazenda. Foram estes que, em última análise, também impuseram ou suspenderam, como e quando lhes convieram, as disposições macroprudenciais nas operações de crédito.
Em déficit de credibilidade, um banco central não pode administrar adequadamente as expectativas do mercado, fator essencial para o bom funcionamento de um regime de metas de inflação. Essa corrosão vinha acontecendo a partir do crescimento das inconsistências do exercício do mandato e da falta de coerência entre discurso e prática. Mas agora a própria presidente da República adverte que é isso mesmo, que o Banco Central é uma instituição em princípio tendenciosa, que só não faz o jogo do capital contra o trabalhador se for patrulhado, implacavelmente, pela autoridade legitimada pelo voto.
Então, fica avisado. Se a presidente Dilma for reconduzida a um segundo mandato, quem aceitar o cargo de presidente do Banco Central não será cão de guarda contra a inflação. Corre o risco de ser mais totó, que cumpre ordens de quem o tem pela coleira: “Senta”; “levanta”; “pare de latir”…
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