- O Estado de S. Paulo
Se voltarmos no tempo alguns meses e observarmos o horizonte do segundo semestre do ano passado e da primeira metade deste, veremos que era possível afirmar plausivelmente que teríamos em 2014 as eleições presidenciais mais disputadas desde 1989. As razões para isto eram, por um lado, a avaliação declinante do governo e o anseio difuso por mudança; por outro, o fato de que, mesmo com a piora de sua avaliação, o governo ainda mantinha fiel uma parcela significativa de aproximadamente um terço do eleitorado, que lhe avaliava como ótimo ou bom.
Diante desse cenário, a incógnita residia na capacidade da oposição de apresentar-se aos cidadãos como uma alternativa palatável. Mantido o padrão que marcara as disputas presidenciais desde 1994, novamente PT e PSDB deveriam polarizar a contenda, com eventuais desafiantes apenas coadjuvando. Tal configuração parecia propícia diante da condição estacionária de Eduardo Campos, que perdia até mesmo para indecisos e para os que pretendiam abster-se - anulando ou votando em branco.
Decerto tal situação poderia mudar com o começo da campanha no rádio e na TV, como sempre ocorre. Contudo, a situação de Campos não era das mais fáceis, tendo ele um partido regionalmente restrito e pouco tempo de propaganda, comparado aos adversários. Portanto, era de se esperar um crescimento maior de Aécio \, impulsionado pela contraposição tradicional ao PT, pela maior implantação nacional de seu partido e pelo maior tempo de propaganda. Foi aí que se deu o inesperado.
A trágica morte do candidato do PSB catapultou às alturas sua substituta, Marina Silva. Num primeiro momento, Dilma perdeu mais votos, porém Aécio perdeu o lugar. Comparadas as pesquisas do Ibope de 21 de julho (ainda com Campos) e 26 de agosto, a presidente perdeu 10 pontos entre os eleitores mais pobres (até 1 salário mínimo), setor no qual Aécio ficou estável. No setor imediatamente acima, Dilma perdeu 4 pontos, contra 2 de Aécio. Esses dois segmentos são os mais numerosos do eleitorado. As perdas de ambos se equivaleram no contingente de 2 a 5 salários mínimos, e Aécio perdeu mais que Dilma no eleitorado mais rico - 5 pontos contra 3. Marina, além de abocanhar os votos perdidos por seus adversários em todos esses setores, também arrebanhou o grosso dos que até pouco antes pretendiam se abster ou não sabiam em quem votar - reduzidos de 25% para 15%.
Nas pesquisas subsequentes parecia inevitável a disparada de Marina, suplantando com facilidade a presidente, principalmente no segundo turno. Porém, a partir daí o jogo começou a virar. Novamente evidenciou-se a importância do horário eleitoral gratuito. A avaliação do governo começou a melhorar e, com ela, as intenções de voto na presidente. Juntaram-se a isso a propaganda negativa contra Marina e os próprios tropeços da candidata, que aumentaram as dúvidas a seu respeito e transmitiram uma imagem de inconsistência. Os recuos no plano de governo e as ambivalências de suas políticas brecaram sua ascensão. Mais do que apenas entender com clareza o significado de cada opção de política pública, o eleitorado busca algumas certezas quanto aos rumos a serem seguidos. Na falta delas, desconfia e procura um porto mais seguro - como o governo do dia.
Esse porto poderia ser também o da oposição estabelecida. Mas o estrago na candidatura Aécio foi tamanho que dificilmente haverá tempo para recuperação - exceto no caso de mais algum evento imprevisto de grandes proporções. Da forma como se deu, a entrada de Marina na campanha desorganizou as referências eleitorais estabelecidas até então, imolando o PSDB. Mesmo que fosse outro o candidato tucano, dificilmente teria destino melhor. Caso Marina se mostre mesmo inconsistente, pode propiciar a Dilma uma disputa mais fácil do que a que ela teria com um oponente mais sólido. E isso, depois de tê-lo volatizado.
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