- O Estado de S. Paulo
Três em cinco eleitores brasileiros estão nas redes sociais, algo em torno de 84 milhões de votantes. O dado é expressivo. Indica que a campanha eleitoral entrou bem nos corredores eletrônicos. De julho até dias atrás o Facebook registrou 58 milhões de mensagens relacionadas às eleições, propiciando curtidas, compartilhamentos, comentários a favor e contra. O monitoramento tem sido acompanhado pela cientista política norte-americana Katie Harbath, estudiosa do uso das redes em campanhas políticas, em passagem pelo País. A situação merece destaque pela introdução das ferramentas da era tecnotrônica em nossa seara política, até então afeita a rudes costumes e velhas práticas, particularmente na metodologia de cooptação eleitoral. Do centro aos confins do território, que ainda dão guarida ao balcão de recompensas para obter o voto, a chave eletrônica começa a abrir a mente de um eleitor cada vez mais antenado nas maravilhas do aparato ao seu redor, a começar do celular.
A par da planilha de grandes números, como 9 milhões de interações com conteúdo relativo aos últimos dois debates entre presidenciáveis, convém destacar os significados que esse novo ciclo expressa na vida das nações, como explica Zbigniew Brzezinski, ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA e mentor de planos da CIA, no livro A Era Tecnotrônica, cujas características comportam a escalada das classes médias, a expansão do setor terciário, o gigantismo dos núcleos universitários, as indústrias de ponta, o incentivo às modernas tecnologias e os trabalhadores bem formados e informados, entre outras. A importância da absorção do ferramental tecnológico pela política, em estágio avançado por aqui - eis que o Brasil está entre os cinco principais consumidores mundiais das redes -, reside no fato de que esse aparato eletrônico funciona como extensão da liberdade de expressão, um pulmão a oxigenar os fluxos institucionais, ampliando os circuitos da participação social, propiciando o deslocamento do discurso eleitoral para a esfera dos participantes.
Sob esse aspecto, ajuda a reforçar a expressão individual, valor central da democracia, e a dar vazão às demandas dos novos polos de poder que se formam na sociedade, no caso, as entidades de intermediação que se formam na esteira do declínio dos mecanismos tradicionais da política (parlamentos, representantes, etc.). A crise da democracia representativa, cujos sinais aparecem até no estrambótico desfile de pedintes de votos nos programas eleitorais, acaba promovendo a descrença social. Uma locução de indignação emerge. As manifestações das ruas traduzem esse espírito. As redes sociais, nesse vácuo, constituem o ancoradouro natural para acolher o clamor geral, as pontuações de um eleitor que se acha mal representado, a insatisfação do pagador de impostos que cobra pelos serviços que o Estado lhe deve. Descobre ele que pela via eletrônica sua voz pode chegar aos ouvidos de milhares de outros. Ancorado no valor da pertinência social, exige o que é seu, defende pontos de vista, manifesta opinião sobre fatos, atos e, neste momento, sobre os candidatos, com direito de ser até malcriado. Mais um dado citado pela pesquisadora Katie Harbath explica o estrondoso sucesso da rede no Brasil: registra-se uma média de 1 bilhão de visualizações diárias, 65% das quais por internet móvel.
Não é de admirar que as redes se transformem em correias de transmissão do clima social. A linguagem é a das ruas, até no palavrório desbocado, nas interpretações maldosas de situações, na defesa, nos xingamentos e acusações a candidatos, o que deixa transparecer exércitos de um lado e de outro a puxarem (sob soldo?) o cabo de guerra de candidaturas. Nesta fase de experimentação, exacerbam-se os ânimos e o verbo resvala pelo terreno da calúnia e difamação, a demonstrar que se há certo descontrole nos meios tradicionais - como programas eleitorais no rádio e na TV - imagine-se a falta de controle nas novas mídias, mesmo sabendo que há mais de cem solicitações exigindo a remoção de conteúdos nas redes. As trombadas, pois, fazem parte deste iniciante ensaio que se desenvolve nas diferentes redes sociais e mídias, particularmente pelos jovens, que registram elevado índice (85% deles) de consumo da internet. É evidente que a maior parcela dessa participação se dá na vertente da distração e do entretenimento, e não na vereda da política. Mas não é desprezível o contingente de usuários que sobem à tribuna eleitoral para acusar, defender, fazer campanha aberta por seus candidatos.
Se a lengalenga nas redes não chega a alterar os mapas eleitorais - são poucos os que mudam de posição -, ao menos consegue salpicar o desértico jardim político com respingos de querelas entre grupos. O ensaio de politização nas redes é um bom sinal, a indicar que a política está mexendo com o ânimo social. Já os candidatos precisam aprender a usar melhor os canais tecnológicos. Em vez de autoglorificação, deveriam propor-se a interagir com os eleitores e a debater ideias com adversários. É possível supor que na próxima campanha o confronto entre candidatos seja intenso, mais frequente e direto. Um benefício que a eletrônica oferecerá à democracia, como se constata nos EUA.
Qualquer movimento na direção da meta de amplificar a locução social merece reconhecimento. Urge, como diz a expressão, "democratizar a democracia", ou seja, fazer um esforço para aperfeiçoar os mecanismos de participação social no processo decisório; propiciar o encontro da democracia representativa com a democracia participativa; revigorar os instrumentos por esta usados (plebiscito, referendo, projeto de iniciativa popular); fortalecer os novos núcleos de poder (entidades de intermediação social); e incentivar novas modalidades de comunicação. A engrenagem democrática, aqui e alhures, é um permanente exercício de retoque em suas ferramentas e peças.
*Jornalista, professor titular da USP,
Nenhum comentário:
Postar um comentário